Anestesia

E as chances de olhar para outros lados

Luiza Granero
Paradoxos
2 min readDec 19, 2020

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Por Luiza Granero

Entrevistei anteontem um homem que, depois de quase 20 anos casado, se encontra enlutado pela perda de sua esposa para o suicídio. Ele mora há 10 minutos a pé da estação Ana Rosa do metrô, a qual eu cruzo diariamente a caminho da faculdade.

Percebi, naquele mesmo dia, algo que não havia antes reparado: a rotina, a longo prazo, me anestesiou. O trajeto o qual eu percorria passou a não ser mais relevante. Por vezes, eu andava com tanta pressa, e em um modo tão automático — mas que me parecia tão natural —, que acabava não me lembrando qual caminho eu fiz ou qual direção eu tomei. Tudo à minha volta havia se transformado em uma espécie de paisagem turva onde ninguém de fato se sobressaía na constante multidão que me cerca diariamente.

Eis que, numa quinta-feira como tantas outras, tomo um rumo diferente dentro da estação Ana Rosa do metrô. Ao invés de me dirigir para as mesmas escadas rolantes as quais eu desço todo dia, no sentido Jabaquara, eu paro, olho à minha volta e me pergunto “onde fica a saída?”. Eu não sabia. Nunca tinha seguido outra direção, nunca havia olhado de uma perspectiva diferente.

A conversa que tivemos no café em frente a sua casa durou pouco mais de uma hora e relevou uma história triste, mas muito linda de amor. Com olhar saudoso, ele me contou sobre a mulher a quem se referiu como “o grande amor da minha vida” e contou sobre os planos que pensavam em fazer quando se aposentassem. Hoje ele vive um novo ciclo. Pensa nela todos os dias, mas vive um dia de cada vez.

Quando a entrevista acabou, agradeci pelo seu tempo comigo e caminhei outros 10 minutos a pé até a estação Ana Rosa. Passei pela catraca e desci as mesmas escadas rolantes de sempre no sentido Jabaquara, onde voltei a me integrar à multidão de passageiros. Quando o trem chegou, entrei no vagão e segui o mesmo trajeto que faço todos os dias até chegar em casa.

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