Assistindo aos sonhos morrerem

País afundado na tragédia segue dia após dia vendo tudo acabar

Carolina Figueiredo
Paradoxos
2 min readJun 3, 2021

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Por Carolina Figueiredo

Colagem por Carolina Figueiredo. (Com captações de CNN Brasil, Folha de S. Paulo, G1, UOL e Estadão)

Raros são os dias calmos, em pleno 2021, numa redação de jornalismo. Afundados no caos da pandemia da covid-19, da CPI do Congresso, dos problemas na vacinação, das crises políticas ao redor do mundo, nos acostumamos todos os dias às notícias ruins e às tragédias.

O ofício obriga que uma capa seja criada, porque torna-se impossível seguir se nos deixarmos afetar por tudo que merece nossa afetação. Mas há dias que são mais difíceis que outros, e existem coisas que, num país normal, não deveríamos aceitar.

Era mais uma terça-feira entre tantas outras na rotina, por volta das 11h da manhã, quando a notícia, veiculada por um jornal local, chegou: um homem invadiu uma creche no interior de Santa Catarina e matou a golpes de faca crianças e professoras. Intragável. Uma tragédia inominável.

Em meio à agitação da necessidade de checar a história, pega o telefone, liga para a polícia do estado, para os bombeiros, para a prefeitura, para o hospital mais próximo, para a Secretaria de Educação. Entende o que aconteceu, escreve, resume, organiza a informação, repassa e vai ao ar. E só. Relata a morte dos sonhos — porque nada significa mais o fim do futuro do que quando uma criança morre — e segue para a próxima notícia.

Nos diversos televisores ligados na sala de apuração da redação, os principais jornais televisivos noticiaram a história por pouco mais de uma hora.

Num país tão destruído pela tragédia, não deu tempo. A CPI acontecia e o presidente minimizava a doença que já matou mais de 400 mil brasileiros e, no mesmo dia do absurdo em Santa Catarina, como se não houvesse fundo nesse poço, levou também um dos maiores artistas do país, o humorista Paulo Gustavo.

E a gente segue. Atualiza os levantamentos, dá uma olhada nas pautas de amanhã, checa o número de mortos do dia, limpa a caixa de entrada do e-mail e continua. Todos os dias, assistindo e relatando a morte dos sonhos.

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