Cavalo de Troia

Helena Arida
Paradoxos
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3 min readNov 10, 2017

No Brasil, quatro mulheres morrem diariamente por complicações de aborto, segundo o Ministério da Saúde.

Por Helena Arida

Em um país onde retrocessos sociais são vistos continuamente, não é mera coincidência haver propostas absurdas que afetam a mulher e seu corpo. Um assunto que vem ganhando força ao longo dos anos e que está dando coragem à milhares de mulheres de escancarar – por meio das redes sociais – abusos e estupros sofridos nos últimos meses. Infelizmente, no meio de todo esse empoderamento, a corja brasileira com poder de decisão situada em Brasília fez questão de nos dar mais um motivo para continuar lutando.

No dia oito de novembro de 2017, uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) “Cavalo de Troia”, que determina que todo e qualquer tipo de aborto deverá ser criminalizado no Brasil. O deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) definiu um parecer na Proposta, alterando dois artigos que alegam que a vida começa na concepção.

Na imagem de Juliana Arida, o número 70% representa a quantidade de mulheres alunas da Fundação Getúlio Vargas que já sofreram abuso sexual, incluindo estupros. (Foto por Isabella Santiago)

“O relatório altera o artigo 7º da Constituição, para que a licença-maternidade se estenda, além dos 120 dias, ao tempo em que um recém-nascido prematuro fique internado, contanto que o benefício não passe de 240 dias” (Fonte: Huffpost Brasil).

Há quem diga que o Estado Laico exista, mas as controvérsias são petulantes, principalmente quando o assunto envolve o poder da mulher sobre seu próprio corpo. Religiosos, que abominam o ato do aborto, provavelmente nunca tiveram alguma mulher na família vítima fatal dele. Por mais que as crenças apontem para o milagre da vida, no Brasil foi calculada a morte de aproximadamente 124 mil mulheres por complicações de aborto em 2016, segundo o jornal Estadão. Diariamente, pelo menos quatro mulheres morrem em hospitais pelo país pelos mesmos motivos. Criminalizando ou não, esses números não irão diminuir tão cedo.

Homens, anatomicamente não portadores de útero em seus organismos, brancos, cis, heterossexuais, de classe alta, reunidos para votar uma PEC que envolve decisões sobre uma mulher. Soa um pouco estranho, não? Um pouco invasivo, talvez. O poder de decisão feminino não possui voz alguma dentro da Câmara. Segundo o HuffPost Brasil, a deputada Luiza Erundina (Psol –SP) criticou a ação dos deputados, alegando a falta de representação feminina na votação e definindo o ato como “antidemocrático”.

Acredito que o feminismo, em todos os seus anos de luta, não imaginaria uma regressão histórica e social como esta que as mulheres brasileiras presenciaram, à distância, nesta quarta-feira (08/11/17). O feminismo luta para a descriminalização do aborto por uma questão de saúde pública e pelos direitos das mulheres. A falta de conhecimento de muitas sobre métodos contraceptivos também é uma questão de saúde pública. A falta de recursos para obter esses conhecimentos também é uma questão de saúde pública. Postos clandestinos que realizam o aborto também são uma questão de saúde pública. A concepção de um feto por estupro também é uma questão de saúde pública. Todos os dias, mulheres morrem em macas por não terem condições financeiras, psicológicas e físicas de conceber um filho, pois engravidar não é — e nunca será — uma obrigação involuntária das mulheres.

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