Como a ausência de pretos na comunicação traduz a nossa representação do que é ser negro
Apesar de serem 56% da população brasileira, pretos e pardos ainda não têm espaço representativo nos canais de comunicação no país
Por Kayam Mendes
Durante os cinco anos de graduação no Mackenzie, sempre me foi incômodo olhar ao meu redor e perceber a falta de diversidade de tons de pele. Na minha turma, por exemplo, somente duas pessoas se declaram como pretas ou pardas, 1,24% da turma de 62 alunos que se formou na metade de 2020. Eu, que sempre pegava o caótico 8700–10 (Praça Ramos — Term. Campo Limpo) para ir e voltar da faculdade e sempre transitava entre a zona Sul e o centro de São Paulo, percebia e refletia sobre como os tons de pele eram transformados entre um espaço e outro — e às vezes entre um ponto e outro. A Pesquisa Relações Raciais 2020, publicada pelo Ibope em novembro, ajuda a ilustrar um pouco da percepção da acessibilidade. Ela aponta que 77% dos entrevistados perceberam diferenças no tratamento de pessoas pretas dentro de faculdades e universidades; mas o Praça Ramos também não escapou, ou se manteve com uma porcentagem amigável para os pretos. Isso porque o estudo demonstra que 70% dos entrevistados sinalizam tratamentos diferentes entre pretos e brancos no transporte público da cidade. A pergunta que fica é: como a maior cidade do país, em que a maioria da população se declara preta ou parda, não consegue trabalhar alternativas para mitigar o racismo estrutural tão profundamente implantado na nossa sociedade? Não digo em mudar da água para o vinho, afinal, por ser um fenômeno cultural, dependemos de tempo e de esforços contínuos. Mas, só de olhar para a minha turma a sensação que fica é a de que nem sequer tentamos algo.
Como jornalista, eu puxo para nossa área de estudo e atuação esta discussão, e é bizarro sobre como os padrões estruturais se reproduzem: os vazios narrativos que construímos com a ausência de pretos na comunicação e como isso reflete na representatividade dos nossos produtos finais. Uma vez ouvi exatamente isso da Amanda Rahra, da Énois — uma mina branca e do Centro. Ela dizia que, se o jornalista tem de casa até a redação para pensar numa pauta e se a maioria dos os jornalistas mora no centro, é óbvio que as periferias acabam menos retratadas nos produtos midiáticos.
Já os pretos que atuam na comunicação, no jornalismo e na publicidade ainda precisam ser resistência. Isso porque, segundo a pesquisa Raça nas Redações, a remuneração destinada aos pretos na comunicação se limita, majoritariamente, a três salários mínimos — enquanto os brancos ocupam mais cargos de liderança e ganham bem mais que três salários. A pesquisa também aponta que os negros que atuam no mercado de trabalho da comunicação são, em sua maioria, freelancers. Ou seja, nem atuam efetivamente e com frequência na transformação das narrativas.
Alguns dias atrás assisti ao filme brasileiro “O Juízo”, estrelado por Fernanda Montenegro, Criolo, Felipe Camargo, Lima Duarte, Carol Castro etc. O filme mostra como a família herdeira de uma fazenda era assombrada na Casa, pois no passado seus ancestrais (os senhores de engenho) maltrataram e assassinaram negros escravos. Em termos de drama e terror, o filme deixa muito a desejar… mas nos custa pouco pensar porque a construção narrativa de que a senzala, ou até mesmo os cemitérios indígenas, é que seriam amaldiçoados — e não a própria Casa Grande. O vazio e as frestas deixadas pela ausência de pretos na comunicação brasileira é, em si, um enorme desserviço, pois reproduz os padrões históricos e estruturais de narrativas, e como estas retratam a figura do negro na sociedade. Mais do que simplesmente preencher o organograma, a presença dos pretos é uma provocação e um convite à ressignificação da forma como representamos o negro.