Mais uma

Letícia Parron
Paradoxos
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2 min readNov 10, 2017

Por Letícia Parron

Foto: Letícia Parron

No ano de 2014, o relógio despertou às 6h10, e Luiza levantou às pressas para mais um dia no cursinho. O café da manhã, sempre o mesmo: um copo de suco de laranja. Seu pai sempre a levava para aula e, com um beijo e um “eu te amo”, se despedia.

Luíza estudou a vida toda em uma escola pequena e foi para esse cursinho famoso no interior de São Paulo. A adaptação era lenta. Dentro de uma instituição como aquela, o indivíduo é reconhecido pelo boleto da mensalidade.

Mesmo com o anonimato, Luiza se dava bem com seus colegas de sala. Naquele dia, foi ao corredor no horário do intervalo. Voltando para a aula, acompanhada de suas amigas, um professor de humanas a abordou e disse: “Seu sorriso é lindo, Luiza”. A menina, acanhada, agradeceu.

Depois do final da aula do professor, Luíza e suas amigas se juntaram em frente ao palco — espaço onde a hierarquia fica clara. O docente caminhou em direção à roda, olhou para Luíza e se aproximou. Com um sorriso malicioso, levantou sua mão, encostou em sua covinha, localizada na parte direita de sua bochecha e disse: “Você sabia que o homem começa chupando aqui e termina em outro lugar?”

A menina — quase mulher — não teve reação. Ficou paralisada, enquanto as palavras proferidas por um professor de 50 anos ecoavam em seus ouvidos. Uma frase de treze palavras, durou uma eternidade.

Luíza não contou para os seus pais. Começou a evitar cruzar com o professor, mesmo para tirar dúvidas. Passou a estranhar suas aulas e atitudes. Um dia, uma amiga comentou que já fora assediada por ele. Não era apenas Luíza. Ela não estava sozinha.

Juntas, decidiram denunciar o caso na Coordenação. Tinham provas em áudio de que suas aulas pareciam mais um filme erótico. Prometeram a elas uma demissão urgente. Contra fatos não há argumentos: um dos professores mais idolatrados do colégio e do cursinho era assediador!

Luíza sentiu leveza. Sentiu-se mais forte que qualquer um naquele lugar. Saiu da sala dos diretores como se tivesse vencido uma batalha. Saiu daquela escola como quem deixava uma parte tenebrosa para trás.

Meses depois, caminhando por perto de seu antigo cursinho, Luíza olhou com receio, por não gostar dali. Quase sem acreditar, como se estivesse com a vista embaçada, o enxergou. Ele. Dentro da escola. Sentado num banco e conversando com algumas alunas. O professor, abusador — exaltado pelos alunos e professores da melhor escola de Sorocaba — continuava em seu palanque como ensinador e formador de caráter. Ele. O assediador de Luíza. Sem nenhum remorso ou consequência… Ainda continua ali.

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Letícia Parron
Paradoxos

22 anos. Saí do interior pra estudar jornalismo na capital.