“Estou Pensando em Acabar com Tudo” é um mergulho no inconsciente humano

O filme simboliza a construção de um devaneio, aludindo a elementos do universo onírico, fantasias e alucinações

Mariana Apolinario
Paradoxos
3 min readApr 13, 2021

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Por Larissa Guiguer e Mariana Apolinario

O longa “Estou Pensando em Acabar com Tudo”, lançado em 4 de setembro de 2020, é uma adaptação do livro “I’m Thinking Of Ending Things”, de Iain Reid, que entrega ao público terror psicológico. Dirigido e produzido por Charlie Kaufman, um diretor e roteirista conhecido por suas obras nada convencionais, que sempre abordam de certa maneira o inconsciente humano, o filme, em seus momentos iniciais, parece tratar de uma trama simples, porém esconde uma construção complexa.

À primeira vista, o longa trata de uma garota chamada Lucy, interpretada pela atriz Jessie Buckley, que embarca em uma viagem para conhecer os pais do seu novo namorado Jake (Jesse Plemons), com a constante dúvida sobre terminar ou não o relacionamento. As primeiras cenas são desenvolvidas dentro do carro conforme o casal viaja em direção à cidade natal de Jake. A atenção do telespectador se concentra nos diálogos e nos pensamentos de Lucy, que são narrados conforme a trama se desenvolve, levando a uma imersão do telespectador nas reflexões da personagem.

Disponibilizado por shutterstock. Acesso em 17/03/2021.

Porém, após a chegada do casal na casa dos pais de Jake, começam a surgir cenas desconexas que revelam um tema aprofundado. Um desses exemplos é o tempo incoerente do filme: os sogros da garota envelhecem 20 anos em apenas 1 segundo. O nome da personagem é trocado várias vezes, ela é chamada de Lucy, Louisa, Lucia, Ames e Yvone. Além disso, o comportamento estranho dos sogros também causa inquietação, o pai de Jake encara a garota ininterruptamente. O ápice da confusão do filme é dado quando há uma interpelação de papéis dos personagens: Lucy olha uma foto de infância de Jake e se enxerga no lugar do namorado.

Com a aparição de um zelador da escola da cidade natal de Jake, interpretado por Guy Boyd, o tema do longa se torna perceptível. O zelador é Jake e os acontecimentos do filme são uma espécie de sonho, unindo alucinações, pensamentos desconexos, interpelando realidades e embaçando lembranças. Durante a trama, Jake mistura detalhes de sua vida. O que confunde ainda mais o telespectador é o fato de que esses detalhes desconexos são recebidos com passividade e sem inquietação pelos outros personagens. Isso ocorre porque os personagens não são reais, eles são uma projeção do inconsciente de Jake, fazendo parte de sua alucinação e devaneio.

Jake é um homem que vive sozinho, frustrado com sua vida, tanto no aspecto amoroso quanto profissional, e está alucinando ou sonhando acordado com sua vida ideal. E essa alucinação da vida ideal é mostrada aos telespectadores, porém, como ela se passa na mente do personagem, são perceptíveis as armadilhas do subconsciente, as lembranças embaçadas e a confusão de tempos, realidade e papéis.

Além disso, o fato da história colocar Lucy como protagonista revela que Jake não se vê como o protagonista de sua própria vida. Ao imaginar sua namorada, Jake projeta aspectos de sua personalidade nela. Ela é, primeiramente, tudo que Jake anseia em uma mulher: intelectual (está sempre citando referências poéticas ou cinematográficas) e inteligente. Porém, ela também o diminui frequentemente, da mesma forma que Jake se diminui.

Dessa forma, o filme, que no início parecia uma imersão na mente da garota, tornou-se um devaneio que une imaginação, fatos reais, alucinações e elementos do inconsciente de Jake. “Estou Pensando em Acabar com Tudo” se aventura em explorar o consciente e o inconsciente humano, assemelhando-se a um sonho confuso. O longa não poderia ter sido lançado em um momento mais oportuno: em plena quarentena, na qual os telespectadores estão submetidos a devaneios, sendo conduzidos por seus pensamentos em momentos ociosos, relembrando acontecimentos, interpelando realidades e exercitando o imaginário, resultando em reflexões ou alucinações.

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