Excesso de Informação: o mal do século

Como esse problema nas mídias sociais provoca o vazio existencial

Leticanmoura
Paradoxos
3 min readOct 16, 2020

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Por Flávia Gonçalves, Letícia Moura e Gabriela Abrahamian

Foto: Istock

É fato que o aparecimento de pessoas diagnosticadas com doenças psíquicas e relatos de “vazio existencial” torna-se mais frequente de acordo com o uso excessivo das mídias sociais. Um estudo publicado em 2018 pela revista científica Lancet analisou os dados de 10 mil adolescentes na faixa-etária de 14 anos, revelando que, dentre aqueles que passavam mais de cinco horas no celular, o percentual de sintomas de depressão crescia em 50% para as meninas e 35% para os meninos. Mesmo entre os que passam três horas, ainda se analisou a elevação de sintomas, de 26% para elas e 21% para eles.

Atualmente, a velocidade de informações repercutidas na internet leva os usuários a ficarem cada vez mais conectados durante horas. Esse comportamento exemplifica o conceito de “Galáxia de Gutemberg”, de McLuhan, em que indivíduos permanecem online por longos períodos de tempo, participando de uma comunicação ativa/passiva de emissor-receptor onde além do mundo real e o mundo virtual coexistirem, apresentam-se como sendo um só.

Durante a pandemia tudo isso só se intensificou. A Pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) realizada no mês de junho revela que, mesmo com o distanciamento, 47,9% dos médicos psiquiatras tiveram aumento no número de consultas. Ademais, 89,2% dos psiquiatras identificaram que seus pacientes tiveram sintomas agravados no período de quarentena e que 70% dos profissionais afirmaram ter recebido novos pacientes após o início da pandemia, pessoas que nunca tinham apresentado sintomas psiquiátricos anteriormente.

“A pandemia altera a forma como a gente se relaciona com a tecnologia, de modo que acabamos ficando mais reféns dela”, avalia João de Moraes, doutor em Ética Informacional pela Unicamp, mestre pela Unesp, coordenador e professor do Departamento de Filosofia da Faculdade João Paulo II (Fajopa).

A partir disso, é possível notar que essa atividade compulsiva de conexão permanente nos perfis midiáticos contribui para com um problema recente da sociedade contemporânea, a FOMO — Fear Of Missing Out. A FOMO causa nas pessoas a sensação de medo de estar perdendo algo. Citado pela primeira vez em 2000 por Dan Herman e definido anos depois por Andrew Przybylski e Patrick McGinnis, FOMO reflete a ansiedade das pessoas que ficam sempre online, conectadas às redes sociais, por medo de estarem perdendo alguma informação ou acontecimento. Aplicando isso para a vertente social dos internautas, significa que o excesso de informações condiciona o cérebro a um estado de alerta total, sem descanso, acreditando que qualquer variação divergente de realidade poderia gerar uma alienação social desse indivíduo

Desse modo, quando há qualquer interferência nesse padrão de comportamento, afastando o usuário da rede, nota-se a instalação de um “vazio existencial”, induzido, automaticamente, pela quebra de padrão de atualização constante de informações. Isso acontece devido ao bombardeamento de notícias, que faz as pessoas crerem que estão sempre atualizadas. Todavia, tal crença está distorcida, haja vista o excesso de informações transmitidas rapidamente, aumentando os casos de FOMO e vazio existencial, sintomas diretamente interligados. Além disso, segundo dados revelados pelo documentário “O dilema das redes”, as informações falsas tendem a se propagar até seis vezes mais rápido do que as informações originais no Twitter, evidenciando que a bomba de informações favorece o aparecimento de fake news — já que a fiscalização de veracidade da notícia é baixa — e facilita também a manipulação dos usuários.

“Uma das coisas que faltam para a nossa maturidade de manipulação da internet é justamente uma capacidade de filtrar as informações a que a gente tem acesso, porque cada vez são mais informações, a conectividade é cada vez maior e há mais pessoas produzindo informação”, diz Moraes. “Com isso, temos uma enxurrada de informação diária, e acabamos tendo, cada vez mais, um inchaço dessa bolha virtual”, finaliza.

Segundo ele, o intenso uso das redes sociais até o final de 2020 vai catalisar transformações, gerar ansiedade e levará as pessoas a repensarem o uso excessivo que fazem da tecnologia quando a poeira baixar. Como solução, Moraes afirma que será preciso buscar a compreensão de que precisaremos ter momentos de “modo avião”.

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