Inconsistência no discurso

Julia Sampaio
Paradoxos
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3 min readSep 22, 2017

Renca é aberta para exploração, massacre de indígenas acontece e o presidente diz que o desmatamento preocupa

Por Julia Sampaio

Foto: Julia Sampaio

Neste 18 de setembro, o presidente da República, Michel Temer, fez o discurso de abertura na reunião da ONU, o que é usual para a ocasião. Porém, o discurso foi antagônico às suas ações. Nele, ele declarou que o desmatamento é uma questão que preocupa, principalmente, na Amazônia.

Há quase um mês, o presidente assinou um decreto que abria caminho para a exploração de minérios por empresas privadas, onde antes somente a exploração estatal era permitida. A Reserva Nacional de Cobre e seus Associados, mais conhecida por Renca, fica na Amazônia. Lá há uma enorme reserva de cobre e com alto potencial de ouro e outros minérios.

No ano de 1984, durante o regime militar, a Renca foi criada para evitar a exploração por capital estrangeiro. Lá, somente a Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM) podia realizar pesquisas geológicas. A Reserva tem o tamanho de 46.450 quilômetros quadrados, do tamanho do Espírito Santo, e está localizada entre Amapá e Pará. Dentro dela, há grandes áreas de conservação ambiental e reservas indígenas. O Governo disse que as áreas de preservação serão mantidas.

As críticas vieram com força, já que a sociedade civil e especialistas não foram consultados. O professor de geografia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, Luiz Jardim, em entrevista para o jornal El País, declarou que o governo sabe que esta é uma área de alta biodiversidade e é preservada. E mesmo assim quer abrir para grandes projetos; além disso, a mineração leva a outros interesses, como abrir rodovias, atrair madeireiros. “É uma ameaça para essas unidades de conservação”, disse o professor. Ademais, com a exploração exacerbada do local poderia ocorrer um outro desastre como o de Mariana.

No discurso do presidente, ele diz que o desmatamento é uma causa que preocupa. Porém, ano passado foi registrado crescimento de 30% de áreas devastadas, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Esse é o segundo aumento consecutivo, e os estados que mais desmataram foram Pará, Rondônia e Mato Grosso.

No Acordo de Paris, o Brasil prometeu que, até 2030, o desmatamento da Amazônia estaria em zero e ainda se recuperariam doze milhões de hectares de floresta para tentar controlar o aquecimento global. O que fica cada vez mais difícil de acreditar com esses números a cada ano só aumentando.

A preocupação não é somente com o desmatamento, mas também com a questão indígena e há motivos para isso. Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), teriam ocorrido dois massacres indígenas este ano. Um contra índios isolados, os Warikama Djapar, e outro contra índios conhecidos como flecheiros, onde teriam morrido cerca de dez pessoas, dentre elas, crianças. Garimpeiros ilegais são suspeitos do primeiro crime, e produtores agrícolas, do segundo. O Ministério Público Federal está investigando as denúncias.

E para o bem da Amazônia, de seus nativos, e consequentemente de todos nós, um juiz do Distrito Federal suspendeu a validade do decreto que acabou com a Renca. O juiz, Rolando Valcir Spanholo, em decisão liminar entendeu que uma decisão presidencial que não passou pelo Congresso não deveria ter sido tomada. Esperamos que pelo menos por enquanto isso freie as tentativas de extinguir um bem não somente nacional, mas do mundo. [Nota do editor: em 26 de setembro o governo recuou e revogou o decreto]

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Julia Sampaio
Paradoxos

São Paulo. Jornalista. Apaixonada por livros, filmes e séries.