Inocência
Outras formas de viver o momento
Por Mariana Apolinario
As paredes vermelhas alaranjadas do prédio número 47 na avenida Rio Branco abrem espaço para uma porta central. Em cima, a bandeira com os dizeres FLM — Frente de Luta Por Moradia — está estendida. Ao passar pela entrada, uma pilha de marmitas é distribuída na portaria, como em todos os domingos. Aquele domingo em questão era ensolarado, as ruas do centro de São Paulo movimentadas e agitadas, os vendedores ocupados e os comércios lotados. Assim como a portaria do prédio, envolta pelo alvoroço dos alimentos sendo distribuídos
Naquele prédio avermelhado, lar da ocupação Rio Branco, famílias vivem rotinas programadas. Eu estava sentada em uma das cadeiras perto da escada que leva ao segundo andar, pronta para entrevistar as líderes do movimento enquanto as vidas dos moradores se desenrolam a minha volta. Dois meninos jogavam bola no corredor principal, eles se entretinham o bastante a ponto de não perceberem os moradores passando, as conversas das nossas entrevistas ou o alvoroço na portaria. A única preocupação era não deixar a bola escapar.
E eu observava o jogo. Eu observava o modo como as brincadeiras entre as crianças contrastavam com a tensão e dureza das vidas adultas que habitam o prédio. Eu estava nervosa pelas entrevistas que estavam por vir e pelas tristezas que seriam narradas. Já os meninos estavam calmos, o único nervosismo que tinham era proveniente de ganhar ou não a partida, as preocupações escapavam de suas mãos.
Eu fui tomada por uma vontade de escapar da realidade que eu presenciava e apenas assistir àquela interação. Assistir às crianças, que parecem trazer a felicidade aos corredores, é a válvula de escape. Às vezes, eles só jogam bola, outras vezes brincam de boneca ou correm atrás de suas mães. Eu observava, acima de tudo, os rastros de inocência que eles estavam deixando pela ocupação, a alegria e o momento de descontração oferecidos a quem tivesse a chance de vê-los.
