Inversão de valores

Como as mídias sociais impactam na vida dos usuários de forma gradativa e ameaçam as próximas gerações

Camila Oliveira
Paradoxos
3 min readOct 16, 2020

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Por Camila Oliveira e Renan Oguma

Que as redes sociais dominam o mundo, todos já sabem. A necessidade da informação, da curiosidade sobre a vida alheia e a vontade de se mostrar algo que não é necessariamente 100% verídico são características destes tempos. Porém, o quão profundo pode ser esse buraco que nós mesmos estamos cavando? Qual o tamanho do vazio que nós sentimos para ter a necessidade de compartilhar coisas básicas e cotidianas, como o jeito que nos vestimos e o que comemos? Segundo a BBC, o Brasil é o segundo país no mundo em relação à quantidade de tempo nas mídias sociais. Ao todo, são 225 minutos por dia.

A constante busca pelos likes, que no final pode ser também chamado de “aceitação”, de outros usuários reflete a atual situação de nossa sociedade e mostra o caminho que seguimos para as próximas gerações. Um mundo no qual é impossível caminhar sozinho e a busca pelo pertencimento se tornou cotidiana, mesmo que seja sem significado algum. Apenas o alívio de ver a sua rotina sendo curtida por outros nos causa, automaticamente, uma sensação positiva. Talvez de dever cumprido ou de estar indo pelo caminho certo.

Crédito: Camilo Jimenez/Unsplash.

A vontade de ser aceito corrói os pensamentos do ser humano, e quanto mais ele se utiliza das redes sociais como esse meio, mais a sua vida se torna um produto digital. Pode ser comparado com o consumismo, a ideia de “querer mais” e “ter mais” corrói em nossas veias. A carência suprida por essa sensação de pertencimento faz transparecer a condição de felicidade nos dias atuais.

As redes sociais tornam-se, assim, enormes bolhas, deixando entrar apenas aquilo que nós acreditamos que seja verdade ou o que queremos que seja. Consumimos aquilo que está de acordo com o nosso perfil e somos divididos em categorias. Mas é assim que a mente humana deveria ser tratada? Não somos seres mais complexos do que isso?

No documentário “O Dilema das Redes”, da Netflix, fica evidente que o rumo que estamos seguindo é sombrio e que muitas decisões estão sendo tomadas por nós. Durante a trama, especialistas discutem como as grandes empresas de comunicação se utilizam de seus usuários como “ratos de laboratório”. O documentário até compara as redes com máquinas de caça-níquel: toda vez que você atualizar a página, algo de novo aparecerá como uma recompensa.

Trailer do documentário "O Dilema das Redes", disponível na Netflix.

Cada notificação, postagem ou comentário que aparece foi deliberadamente pensado para você. Ou seja, seu senso crítico não tem valor nas redes sociais, o que importa é como você interage com as opções que foram selecionadas. Há uma utilização da vulnerabilidade humana como forma de lucro. Em uma pesquisa, realizada pela PWC, foi indicado que 77% dos brasileiros são influenciados pelas mídias sociais na hora de comprar um produto. Nossa própria psicologia é colocada em jogo. Afinal, nós seríamos o produto final que está a venda para os anunciantes (aqueles que pagam a conta dessas empresas).

Como consequência, nasce uma geração doente. Hoje, 91% das pessoas entre 16 e 24 anos usam a internet para navegar nas mídias sociais. Os valores passam a ser invertidos. Adolescentes têm sua saúde mental afetada e a taxa de suicídio aumenta. Segundo o Royal Society for Public Health, as taxas de ansiedade e sintomas de depressão aumentaram 70% entre os jovens nos últimos 25 anos. A pesquisa também aponta que 90% do público feminino, que utiliza essas plataformas, desenvolve problemas de aceitação com a própria imagem. Onde fica a identidade dessas pessoas? Como saberemos o que nos torna verdadeiramente únicos? As respostas não estão no mundo digital.

A quebra desse sistema, portanto, depende de cada um. Como citado no documentário, como essas pessoas irão acordar da "matrix" se elas não sabem que estão na "matrix"? O trabalho é constante, mas pela recompensa vale a pena. Precisamos retomar nossos valores para que o futuro da humanidade não esteja moldado por uma constante busca por seres utópicos. Números e interações são momentâneos. Agora, a vida? Só temos uma e não há nada de vazio em existir.

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