Inversão de valores
Como as mídias sociais impactam na vida dos usuários de forma gradativa e ameaçam as próximas gerações
Por Camila Oliveira e Renan Oguma
Que as redes sociais dominam o mundo, todos já sabem. A necessidade da informação, da curiosidade sobre a vida alheia e a vontade de se mostrar algo que não é necessariamente 100% verídico são características destes tempos. Porém, o quão profundo pode ser esse buraco que nós mesmos estamos cavando? Qual o tamanho do vazio que nós sentimos para ter a necessidade de compartilhar coisas básicas e cotidianas, como o jeito que nos vestimos e o que comemos? Segundo a BBC, o Brasil é o segundo país no mundo em relação à quantidade de tempo nas mídias sociais. Ao todo, são 225 minutos por dia.
A constante busca pelos likes, que no final pode ser também chamado de “aceitação”, de outros usuários reflete a atual situação de nossa sociedade e mostra o caminho que seguimos para as próximas gerações. Um mundo no qual é impossível caminhar sozinho e a busca pelo pertencimento se tornou cotidiana, mesmo que seja sem significado algum. Apenas o alívio de ver a sua rotina sendo curtida por outros nos causa, automaticamente, uma sensação positiva. Talvez de dever cumprido ou de estar indo pelo caminho certo.
A vontade de ser aceito corrói os pensamentos do ser humano, e quanto mais ele se utiliza das redes sociais como esse meio, mais a sua vida se torna um produto digital. Pode ser comparado com o consumismo, a ideia de “querer mais” e “ter mais” corrói em nossas veias. A carência suprida por essa sensação de pertencimento faz transparecer a condição de felicidade nos dias atuais.
As redes sociais tornam-se, assim, enormes bolhas, deixando entrar apenas aquilo que nós acreditamos que seja verdade ou o que queremos que seja. Consumimos aquilo que está de acordo com o nosso perfil e somos divididos em categorias. Mas é assim que a mente humana deveria ser tratada? Não somos seres mais complexos do que isso?
No documentário “O Dilema das Redes”, da Netflix, fica evidente que o rumo que estamos seguindo é sombrio e que muitas decisões estão sendo tomadas por nós. Durante a trama, especialistas discutem como as grandes empresas de comunicação se utilizam de seus usuários como “ratos de laboratório”. O documentário até compara as redes com máquinas de caça-níquel: toda vez que você atualizar a página, algo de novo aparecerá como uma recompensa.
Cada notificação, postagem ou comentário que aparece foi deliberadamente pensado para você. Ou seja, seu senso crítico não tem valor nas redes sociais, o que importa é como você interage com as opções que foram selecionadas. Há uma utilização da vulnerabilidade humana como forma de lucro. Em uma pesquisa, realizada pela PWC, foi indicado que 77% dos brasileiros são influenciados pelas mídias sociais na hora de comprar um produto. Nossa própria psicologia é colocada em jogo. Afinal, nós seríamos o produto final que está a venda para os anunciantes (aqueles que pagam a conta dessas empresas).
Como consequência, nasce uma geração doente. Hoje, 91% das pessoas entre 16 e 24 anos usam a internet para navegar nas mídias sociais. Os valores passam a ser invertidos. Adolescentes têm sua saúde mental afetada e a taxa de suicídio aumenta. Segundo o Royal Society for Public Health, as taxas de ansiedade e sintomas de depressão aumentaram 70% entre os jovens nos últimos 25 anos. A pesquisa também aponta que 90% do público feminino, que utiliza essas plataformas, desenvolve problemas de aceitação com a própria imagem. Onde fica a identidade dessas pessoas? Como saberemos o que nos torna verdadeiramente únicos? As respostas não estão no mundo digital.
A quebra desse sistema, portanto, depende de cada um. Como citado no documentário, como essas pessoas irão acordar da "matrix" se elas não sabem que estão na "matrix"? O trabalho é constante, mas pela recompensa vale a pena. Precisamos retomar nossos valores para que o futuro da humanidade não esteja moldado por uma constante busca por seres utópicos. Números e interações são momentâneos. Agora, a vida? Só temos uma e não há nada de vazio em existir.