Mais que 17 bilhões

Beatriz Gois
Paradoxos
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5 min readNov 12, 2017

Lembre do dinheiro gasto para a compra do Congresso. Agora multiplique por todas as atitudes tomadas no atual governo. Saldo negativo? Aqui também!

Foto: Beatriz Gois

Por Beatriz Gois

Esses dias estava lendo uma lista no Spotniks com dez ações que poderiam ser feitas com o dinheiro que Temer usou para comprar apoio do Congresso. Seja por emendas, cargos comissionados ou para atender demandas de bancadas, às vésperas da votação na Câmara dos Deputados — que salvou MT da (primeira) denúncia ao STF — , a soma das benevolências chegava a um total de 17 bilhões de reais.

De acordo com a lista, todo esse dinheiro poderia ser usado para colocar sete milhões de brasileiros analfabetos na escola durante um ano, ou ainda para aumentar em 400% o investimento em equipamentos para o SUS (Sistema Único de Saúde). O mais hilário é que justamente nas áreas de educação e saúde os gastos públicos foram congelados por 20 anos por meio da Proposta de Emenda à Constituição 241, conhecida por PEC do Teto e aprovada no final de 2016. Motivo? Precisávamos de cortes.

A PEC propõe que os gastos públicos sejam norteados pela inflação, ou seja, não é permitido, agora por lei, que os investimentos ultrapassem a inflação do ano anterior. A justificativa está no aumento das despesas públicas e na dificuldade de fazer o ajuste fiscal, tendo em vista dados dos últimos anos. Faz sentido, né?! O que não faz sentido é todo um discurso e processos para estabilizar a economia, ao mesmo tempo em que 17 bilhões são lavados em corrupção ativa diante de nossos olhos, com manchetes nos jornais e dóceis eufemismos para justificar a sagacidade de Temer.

Assim que li a lista com as dez ações que poderiam ser feitas com aquele montão de dinheiro, pensei no quanto a própria população estava perdendo com medidas como a PEC e tantas outras quase inimagináveis, enquanto um governo que não tem aprovação popular, e muito menos política, se mantém de pé corrompendo quem for preciso (alô alô Judiciário!).

O que quero propor é uma reflexão sobre tudo o que os brasileiros (principalmente os mais pobres) já perderam em um pouco mais de um ano. Para isso, a seguir, mais algumas medidas — tomadas, ou que estão sendo discutidas — no governo Temer, que exemplificam por si só porque perdemos muito mais do que 17 bilhões:

1. “Reforma” do ensino médio

A Medida Provisória, já aprovada, prevê que os estudantes do ensino médio público e particular fiquem na escola em período integral, e tenham junto ao ensino regular um ensino técnico. As matérias serão divididas em categorias (por ex. ciências humanas e sociais aplicadas) e as escolas deverão ofertar pelo menos uma dessas áreas. O aluno teria supostamente uma flexibilização para escolher matérias que quer ou não cursar. Mas muitos componentes foram deixados de lado na hora da tomada de decisão: desvalorização do papel do professor, falta de diálogo, inciativas precipitadas (como a exclusão de matérias) e estrutura das escolas públicas. Ou seja, as chances de que o ensino piore são altas, e é difícil encontrar uma única pessoa que tenha entendido essa reforma como algo positivo.

“A reforma seria interessante se tivesse condições de propor realmente o que eles colocam como reforma […] a reforma precisa sim, partir de dentro para fora, e não de fora para dentro. Ela precisa dar ouvidos aos seus alunos”

Aline Maffei, professora de Arte na Escola Estadual Alfredo Roberto, em Suzano.

2. Fim da Renca e discurso na ONU

A Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) foi criada para que apenas o governo tivesse o direito de exercer pesquisas sobre mineração na região que ocupa parte do Amapá e Pará. A Reserva garantia uma preservação das áreas que fazem parte da Floresta Amazônica, além de proteger as tribos indígenas e evitar contaminações dos recursos naturais com projetos grandiosos.

O governo, porém, publicou um decreto pelo qual libera a pesquisa para setores privados, em uma das partes da reserva. Não é necessário dizer que a invasão das áreas de preservação pode ocorrer sem muitos empecilhos, tendo em vista a ambição por dinheiro dos nossos milionários.

O decreto não foi discutido, recebeu apenas uma edição após muita repercussão popular e pedidos de intervenção na justiça. Dias depois, Temer fez um discurso na ONU que incluía entre outros pontos ressaltar a preocupação do Brasil com o desmatamento.

“O desmatamento é questão que nos preocupa, especialmente na Amazônia […] o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável permeia nossas políticas públicas”

Michel Temer, presidente com 3% de aprovação popular. Nova York — 2017

3. Mudança para a classificação do trabalho escravo

Foto: Beatriz Gois

Esta é totalmente vinculada à bancada ruralista. Com as novas regras, passa a ser considerado trabalho escravo apenas se o trabalhador estiver sem o direito de ir e vir. Condições degradantes e jornadas exaustivas deixam a lista. Em resumo, é necessário que a pessoa esteja acorrentada! Consequentemente, é muito mais difícil que a empresa entre para a chamada “lista suja”, local onde seus nomes eram expostos caso fossem flagradas por trabalhos análogos à escravidão.

“O Brasil corre o risco de interromper essa trajetória de sucesso que o tornou um modelo de liderança no combate ao trabalho escravo para a região e para o mundo. A gravidade da situação está no possível enfraquecimento e limitação da efetiva atuação da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada”

Organização Internacional do Trabalho. Nota após a portaria nº 1129, de 13/10/2017

4. “Reforma” trabalhista

Mais uma desculpa fincada na economia. A justificativa para essa medida está na facilidade com que os empresários terão para contratar mão-de-obra e ter um gasto menor. Eu traduzo: agora que não tem mais educação de qualidade, o meio ambiente não importa e podemos escravizar as pessoas, vamos mexer nessas leis da CLT também. Um direito a mais ou a menos, o que importa? Uma mãozinha para os empresários. Negociação com o empregador vai dar certo… para ele!

“Trabalhei durante anos como doméstica sem ter direitos trabalhistas. Quando eu consegui um emprego que garantia décimo terceiro e férias remuneradas, achei que estava no paraíso. Tenho 44 anos agora e não tenho mais tanta disposição”

Claudinete de Gois, minha mãe. Atualmente, ajudante de cozinha

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Beatriz Gois
Paradoxos

Jornalista até a alma e UX writer curiosa em formação. Sempre de olho nos freelas e em quem pode me trazer paz :)