Mais que 17 bilhões
Lembre do dinheiro gasto para a compra do Congresso. Agora multiplique por todas as atitudes tomadas no atual governo. Saldo negativo? Aqui também!
Por Beatriz Gois
Esses dias estava lendo uma lista no Spotniks com dez ações que poderiam ser feitas com o dinheiro que Temer usou para comprar apoio do Congresso. Seja por emendas, cargos comissionados ou para atender demandas de bancadas, às vésperas da votação na Câmara dos Deputados — que salvou MT da (primeira) denúncia ao STF — , a soma das benevolências chegava a um total de 17 bilhões de reais.
De acordo com a lista, todo esse dinheiro poderia ser usado para colocar sete milhões de brasileiros analfabetos na escola durante um ano, ou ainda para aumentar em 400% o investimento em equipamentos para o SUS (Sistema Único de Saúde). O mais hilário é que justamente nas áreas de educação e saúde os gastos públicos foram congelados por 20 anos por meio da Proposta de Emenda à Constituição 241, conhecida por PEC do Teto e aprovada no final de 2016. Motivo? Precisávamos de cortes.
A PEC propõe que os gastos públicos sejam norteados pela inflação, ou seja, não é permitido, agora por lei, que os investimentos ultrapassem a inflação do ano anterior. A justificativa está no aumento das despesas públicas e na dificuldade de fazer o ajuste fiscal, tendo em vista dados dos últimos anos. Faz sentido, né?! O que não faz sentido é todo um discurso e processos para estabilizar a economia, ao mesmo tempo em que 17 bilhões são lavados em corrupção ativa diante de nossos olhos, com manchetes nos jornais e dóceis eufemismos para justificar a sagacidade de Temer.
Assim que li a lista com as dez ações que poderiam ser feitas com aquele montão de dinheiro, pensei no quanto a própria população estava perdendo com medidas como a PEC e tantas outras quase inimagináveis, enquanto um governo que não tem aprovação popular, e muito menos política, se mantém de pé corrompendo quem for preciso (alô alô Judiciário!).
O que quero propor é uma reflexão sobre tudo o que os brasileiros (principalmente os mais pobres) já perderam em um pouco mais de um ano. Para isso, a seguir, mais algumas medidas — tomadas, ou que estão sendo discutidas — no governo Temer, que exemplificam por si só porque perdemos muito mais do que 17 bilhões:
1. “Reforma” do ensino médio
A Medida Provisória, já aprovada, prevê que os estudantes do ensino médio público e particular fiquem na escola em período integral, e tenham junto ao ensino regular um ensino técnico. As matérias serão divididas em categorias (por ex. ciências humanas e sociais aplicadas) e as escolas deverão ofertar pelo menos uma dessas áreas. O aluno teria supostamente uma flexibilização para escolher matérias que quer ou não cursar. Mas muitos componentes foram deixados de lado na hora da tomada de decisão: desvalorização do papel do professor, falta de diálogo, inciativas precipitadas (como a exclusão de matérias) e estrutura das escolas públicas. Ou seja, as chances de que o ensino piore são altas, e é difícil encontrar uma única pessoa que tenha entendido essa reforma como algo positivo.
“A reforma seria interessante se tivesse condições de propor realmente o que eles colocam como reforma […] a reforma precisa sim, partir de dentro para fora, e não de fora para dentro. Ela precisa dar ouvidos aos seus alunos”
Aline Maffei, professora de Arte na Escola Estadual Alfredo Roberto, em Suzano.
2. Fim da Renca e discurso na ONU
A Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) foi criada para que apenas o governo tivesse o direito de exercer pesquisas sobre mineração na região que ocupa parte do Amapá e Pará. A Reserva garantia uma preservação das áreas que fazem parte da Floresta Amazônica, além de proteger as tribos indígenas e evitar contaminações dos recursos naturais com projetos grandiosos.
O governo, porém, publicou um decreto pelo qual libera a pesquisa para setores privados, em uma das partes da reserva. Não é necessário dizer que a invasão das áreas de preservação pode ocorrer sem muitos empecilhos, tendo em vista a ambição por dinheiro dos nossos milionários.
O decreto não foi discutido, recebeu apenas uma edição após muita repercussão popular e pedidos de intervenção na justiça. Dias depois, Temer fez um discurso na ONU que incluía entre outros pontos ressaltar a preocupação do Brasil com o desmatamento.
“O desmatamento é questão que nos preocupa, especialmente na Amazônia […] o compromisso do Brasil com o desenvolvimento sustentável permeia nossas políticas públicas”
Michel Temer, presidente com 3% de aprovação popular. Nova York — 2017
3. Mudança para a classificação do trabalho escravo
Esta é totalmente vinculada à bancada ruralista. Com as novas regras, passa a ser considerado trabalho escravo apenas se o trabalhador estiver sem o direito de ir e vir. Condições degradantes e jornadas exaustivas deixam a lista. Em resumo, é necessário que a pessoa esteja acorrentada! Consequentemente, é muito mais difícil que a empresa entre para a chamada “lista suja”, local onde seus nomes eram expostos caso fossem flagradas por trabalhos análogos à escravidão.
“O Brasil corre o risco de interromper essa trajetória de sucesso que o tornou um modelo de liderança no combate ao trabalho escravo para a região e para o mundo. A gravidade da situação está no possível enfraquecimento e limitação da efetiva atuação da fiscalização do trabalho, com o consequente aumento da desproteção e vulnerabilidade de uma parcela da população brasileira já muito fragilizada”
Organização Internacional do Trabalho. Nota após a portaria nº 1129, de 13/10/2017
4. “Reforma” trabalhista
Mais uma desculpa fincada na economia. A justificativa para essa medida está na facilidade com que os empresários terão para contratar mão-de-obra e ter um gasto menor. Eu traduzo: agora que não tem mais educação de qualidade, o meio ambiente não importa e podemos escravizar as pessoas, vamos mexer nessas leis da CLT também. Um direito a mais ou a menos, o que importa? Uma mãozinha para os empresários. Negociação com o empregador vai dar certo… para ele!
“Trabalhei durante anos como doméstica sem ter direitos trabalhistas. Quando eu consegui um emprego que garantia décimo terceiro e férias remuneradas, achei que estava no paraíso. Tenho 44 anos agora e não tenho mais tanta disposição”
Claudinete de Gois, minha mãe. Atualmente, ajudante de cozinha