Mas é só uma empregada!

A sociedade brasileira e a desvalorização das trabalhadoras domésticas

Maryane Pereira
Paradoxos
2 min readJun 2, 2021

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Por Maryane Pereira

Fonte: Pixabay

Certo dia eu voltava para casa, quando encontrei duas senhoras de meia-idade aos cochichos. Uma era robusta, enquanto a outra era franzina e de cabelos brancos. Ambas estavam sentadas ao ponto de ônibus em que costumo ficar. Como sinto prazer em ouvir histórias alheias, me sentei ao lado delas, como quem não quer nada, para escutar o assunto.

— Olha minha filha, já passei muita humilhação nessa vida. Esses grã-finos que contratam a gente são pessoas complicadas que não sabem dar valor ao trabalho alheio.

Enquanto a primeira senhora narrava sua história com um tom amargurado, a outra somente ouvia o que lhe era dito.

— Já trabalhei pra uma senhora muito rica que morava lá pros lados de Higienópolis. A bicha era tão ruim que sempre atrasava meu pagamento. Preferia ir ao shopping a me dar o dinheiro na hora. Gostava de me ver sofrer.

Sentada próxima a elas e escutando as lamúrias, percebi que as duas eram diaristas. Comovida com o que ouvi, comecei a refletir sobre a velha questão conhecida por nós brasileiros: a penosa desigualdade social, e nossa passividade perante ela. Considero que casos como esses, em que patrões humilham seus empregados, existam porque de forma implícita nós brasileiros aceitamos os comportamentos mal-educados da classe mais rica. Por conta do dinheiro eles acreditam que podem tudo, e nós pobres acreditamos também.

Em um momento da conversa, a senhora vira para a outra e diz:

— Meu patrão, o solteiro que mora em Pinheiros, é um nojo, muito chato com limpeza. Não gosta de comer nada, mas a minha sopa ele ama.

Em inúmeras vezes observei senhoras como ela nas telenovelas brasileiras. Em algumas delas, por exemplo, as empregadas possuem pouca ou nenhuma fala, e geralmente tratam seus patrões de maneira submissa e com muita estima. Creio que essa resignação costumeiramente retratada seja simplesmente a idealização de como uma empregada deve se portar.

A partir deste ponto pude compreender que essas mulheres não são vistas como prestadoras de serviço, mas sim como pessoas de uma subcategoria, que são proibidas de possuírem orgulho. Portanto, a normalização desse tratamento está enraizada na sociedade brasileira, porque é legitimada pelos produtos midiáticos, e por figuras de poder, como o ministro Paulo Guedes, que por meio de uma fala preconceituosa mostrou acreditar que empregadas domésticas não devem frequentar os espaços de lazer que não condizem com sua “classe social”.

Olhando para aquela outra senhora de pele negra, olhos cansados e fala mansa, senti raiva da vida e do modo como ela pode ser injusta. Quantos de seus sonhos não foram roubados por essa realidade desigual?

Após tanto tempo de espera meu ônibus chegou. Embarquei nele observando as duas senhoras que ficaram conversando no ponto.

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