O vazio das relações instantâneas

Relações vazias das empresas de telemarketing com o “atendimento humanizado”

Natália Pádua
Paradoxos
2 min readDec 19, 2020

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Imagem retirada do site Frrepik

Por Natália Pádua

Mais um dia em que chego naquele enorme edifício cinza localizado na av. Paulista, bato o meu ponto e começo o meu trabalho. Chego na sala e dou boa tarde para meus companheiros de cargo, todos me respondem, mas sem tirar os olhos do computador.

São cerca de 15 jovens trabalhando sempre do mesmo jeito, planilha do Excel aberta na tela do dispositivo, headphone na cabeça, uma hora ou outra aquela espiadinha no celular para ver se tem alguma notificação importante e o mesmo discurso sendo entoado pela voz de todos ali: “Olá, boa tarde! Por gentileza a senhora…”.

Sento em minha baia e ligo meu computador, respiro fundo antes de entrar no sistema e escuto o barulho agonizante da primeira ligação do dia sendo distribuída para mim.

Trilililililim

— Boa tarde, senhora Vilma? — pergunto para a cliente.

A ligação fica alguns segundos em silêncio, mas logo a voz de uma mulher já com algumas primaveras em sua vida ecoa:

— Pois não? — ela responde.

No mundo capitalista que foi atribuído a nossa sociedade, as empresas não se importam com os clientes do outro lado da linha, eles só querem saber de vender, vender e vender.

Com as empresas de telemarketing não é muito diferente. Muitas vezes já xinguei um atendente dessas companhias de celular, mais de 50 ligações por dia é um absurdo, mas hoje eu entendo que não é culpa de quem fala o “alô” do outro lado da linha, e sim a pressão absurda que grandes chefes colocam em cima de cada operador para bater suas metas e levar mais dinheiro para a empresa.

Começo a conversa com Vilma me apresentando, dizendo o nome da empresa em que trabalho e, quando percebo, já entrei no modo automático para agendar a avaliação de seus pés.

Não pergunto se está tudo bem, não pergunto como está a sua semana e muito menos como está durante a quarentena. “Tempo é dinheiro, faça uma ligação objetiva e de no máximo 1 minuto e 30 segundos”, foi o que me falaram no meu primeiro dia.

— Pode ser na quinta de manhã?

Muitas vezes, quando estou no modo “automático” me pego pensando: como será que foi o dia da senhora Vilma? Será que ela mora sozinha ou com os filhos? Será que algo aconteceu durante a pandemia com ela?

Me imagino em um universo paralelo conversando com a senhora que está do outro lado da linha, tomando um café e comendo um bolo, sem pressa, para que assim eu conheça melhor e tenha uma ligação com a mulher que está do outro lado da linha preenchendo o vazio desta simples relação instantânea.

— O endereço vai por mensagem. Muito obrigada e até logo.

Beep, beep, beep.

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