O vazio de sentido e o dilema das redes

Documentário da Netflix escancara o complexo impasse em torno das relações do ser humano com o mundo online

fernanda muniz
Paradoxos
3 min readOct 14, 2020

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Por Fernanda Varela, Isabella Baliana, Juliana Caveiro

Imagem de Unsplash

Não é mais novidade que a internet e as redes mudaram drasticamente a forma de viver das pessoas. Mais do que só compartilhar o dia-a-dia, estar conectado é sinônimo de existência, principalmente para as gerações mais novas. Mas… qual o preço que pagamos, às vezes sem perceber, por doar parte da nossa vida real à virtual? O documentário O Dilema das Redes, disponível no catálogo da Netflix, aborda justamente isso.

O “docudrama” dirigido e escrito por Jeff Orlowski, co-roteirizado por Davis Coombe e Vickie Curtis, narra de maneira ácida, com dramatizações instigantes e entrevistas exclusivas, as profundas consequências que o uso das redes sociais trouxe para o ser humano como indivíduo e como coletivo.

Trailer do filme O Dilema das Redes, disponibilizado pelo canal Trailers em Português

“Quando você não paga pelo produto, então você é o produto” é uma das frases destacadas no filme que contempla o conceito do mundo online atual. De maneira inteligente e expositiva, o documentário escancara o modo como marcas e empresas encontraram uma nova e poderosa forma de influenciar e adquirir clientes: pagando por sua atenção, monitorando suas ações e conhecendo quem você é (ou aparenta ser). Palavras de ordem? Engajamento. Crescimento. Propagação. A todo momento, e muitas vezes, a todo custo.

Com acesso aos múltiplos dados sobre aquele indivíduo, fica fácil disparar conteúdos e anúncios que irão captar a atenção do usuário. Os pontos fracos são descobertos e se estabelece uma relação de dependência. A tecnologia deixa de ser uma ferramenta esperando para ser usada, e passa a ser crucial, totalmente influente em um processo de auto-satisfação — ainda que passageiro. Inclusive, uma relação clara a respeito desta dependência, trazida pelo documentário, é a denominação dada a quem utiliza as mídias sociais: usuário — igualmente à indústria das drogas.

O longa dá margem a uma intensa — e necessária — reflexão sobre o potencial que as redes sociais possuem de “rasgar o tecido social”, dando espaço para discursos que desacreditam e dissolvem a verdade — como as teorias da conspiração e as Fake News. Vivemos em um momento de vazio de verdade, vazio de absoluto, onde tudo é questionado e posto à prova em razão do número de likes. As “curtidas” viraram sinônimo de valor perante a sociedade.

Ilustrado pelo drama criado no filme, as situações encenadas pela família americana podem ser facilmente constatadas — em diferentes níveis — às que passamos na vida real. Uma delas é exatamente o dano que as redes criaram em torno da autoimagem dos indivíduos: “Construímos nossas vida em torno de um senso de perfeição porque é isso que encontramos na internet e redes. Consequências: suicídio, depressão, ansiedade, transtornos emocionais e de aparência”.

No drama, a forma como exploram a narrativa, pode ser relacionada com a animação “Divertidamente”, da Disney Pixar, que trata, de maneira lúdica, sobre o psicológico de uma pré-adolescente. Na animação, as emoções da menina são representadas por cinco personagens que comandam seu cérebro, e mostram como funcionam os sentimentos. O mesmo ocorre em “O Dilema das redes”, ao mostrar um jovem usuário como um avatar controlado por três personagens (personificações da IA), comandando o que ele deve ver, acessar e interagir. Ao contrário do filme da Pixar, quem orienta o personagem principal não se importa com o bem-estar e felicidade dele.

As pessoas acreditam que, no futuro, a Inteligência Artificial superará o homem, mas a verdade é que ela já o supera atualmente. Ela nos afasta das relações reais, nos isola no universo online, nos divide em “bolhas sociais”, na qual os algoritmos mostram apenas os interesses que comprovam pontos de vista, gerando rivalidades e polarizações. Com isso, a intolerância com opiniões divergentes fragiliza lentamente a democracia e a própria relação em sociedade.

Apesar de estarmos emaranhados em um sistema complexo, ainda há o que ser feito para se estabelecer uma harmonia na relação real-virtual. Como criadores do dilema das redes, cabe a nós mesmos repensarmos e criarmos maneiras de revertermos a distopia gerada.

Mas, e você, já compartilhou seu avatar no Facebook?

Brincadeirinha… rs!

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