O vazio de um domingo cinza

Apesar de ruim, a depressão pós-rolê é importante

Natália Pádua
Paradoxos
3 min readOct 12, 2020

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Por Gabriel Pellegrine, Natália Pádua e Nina Gattis

Crédito: Freepik

Acordo com a boca seca e o cheiro de álcool no meu quarto, sinto o meu estômago revirar. Um dia nublado com alguma luz entrando pela janela me diz que é o começo da tarde de um domingo. Na mesa de canto é possível encontrar um maço de cigarro amassado, uma cartela de chicletes pela metade, minha carteira e meu celular com apenas 2% de bateria. Entro no Instagram e vejo que ganhei 12 seguidores, todos são pessoas que conheci na noite passada, mas não lembro de nenhum daqueles rostos nitidamente. Agora, não passam de borrões.

Essa história é comum e pode ser contada por jovens adultos de diferentes classes e regiões. Já é recorrente o tal vazio pós-rolê, mesmo que no período que antecede o evento exista uma ansiedade para o dia da festa, que causa preocupações e preparações como, por exemplo, comprar roupas, cuidar da aparência, imaginar as inúmeras possibilidades que podem acontecer durante seis ou mais horas de festa e, finalmente, decidir como fazer para estar no lugar marcado, onde pouco do que foi pensado e planejado irá de fato acontecer.

Durante um evento desse tipo, há uma mistura de sentimentos individuais e coletivos que funcionam como estimulantes para o cérebro de cada indivíduo. Ações como socializar, dançar, beber, abraçar, beijar e ouvir música liberam uma explosão de neurotransmissores relacionados à felicidade, os quais são a dopamina, a serotonina e a endorfina.

Além disso, as drogas, lícitas ou não, consumidas durante a festa também contribuem tanto para o prazer do momento quanto para as possíveis — e quase certas — ressacas e rebordosas dos domingos vazios. Isso também tem a ver com neurotrasmissores. Portanto, o sentimento passageiro de depressão que surge no dia seguinte é quimicamente justificado. Ninguém é de ferro.

Crédito: Rawpixel (Fonte: Shutterstock)

Apesar da sensação extremamente satisfatória durante o evento, o outro dia nasce com certa melancolia. Talvez, nada daquilo que se viveu na noite anterior faça sentido. Os vários “amigos” voltam a ser apenas os quatro ou cinco que já faziam parte do dia-a-dia. As pessoas que se beijaram podem nunca mais se ver. Assim, de vazio em vazio, as incertezas tomam forma como num passe de mágica.

É curioso pensar que foi apenas ali, naquele momento único que não será levado para frente, que teve origem a sensação do vazio. Afinal, a grande maioria dos acontecimentos que se sucederam na noite anterior não vai resultar em nenhuma mudança imediata ou a longo prazo. Então, qual é o ponto em participar disso?

A resposta é simples: continuamos participando dos rolês porque, provavelmente, sem isso teríamos apenas mais um tempo vazio, mas completamente inútil, em nossas vidas. Por mais que não mude nada amanhã, o que realmente importa é que, naquele momento, tudo parecia possível.

No fim das contas, vale a pena sentir o vazio do dia seguinte se ao menos memórias forem criadas. A depressão pós-rolê é um indicativo de que se viveu a vida.

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