Pavilhão da justiça e do amor

Yolanda Reis
Paradoxos
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3 min readNov 12, 2017

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Peço para que receba o afeto que se encerra em meu peito juvenil

Por Yolanda Reis

Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constróem moinhos de vento.

Érico Veríssimo — O Tempo e o Vento

Foto: Letícia Parron

PRO-GRE-DIR. Para Michaelis: 1- Ir adiante; 2- Apresentar maior intensidade; 3- Avançar aos poucos; 4- Agregar coisas mais modernas; e 5- Fazer progresso.

Sendo letrada e jornalista, costumo usar as palavras no seu mais pleno significado, levando-as ao pé da letra e aplicando-as corretamente.

E qual não é a ironia de, no país Ordem e Progresso, ter tanta gente que prefere a estagnação e o retrocesso!

O conservadorismo é o oposto do progresso, nos termos sociais e políticos. Por definição, o progresso pretende mudar as coisas e o conservadorismo prefere que tudo continue como está; é muitas vezes atrelado à tradição da família e à religião.

Pois bem, Ordem e Progresso é um país laico. Não temos religião oficial, e é assegurado a todos praticar sua crença em âmbito particular (particular, no Michaelis, exclusivo de certa pessoa). A Constituição assegura: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica e política”.

Mesmo assim, o Progresso é constantemente atrapalhado por algumas crenças religiosas ou convicções filosóficas e políticas.

Um exemplo disso é a mais nova PEC viajando nos trâmites políticos: o aborto, que hoje é legalizado em caso de estupro e risco de morte para a mãe, seria totalmente proibido. A PEC foi aprovada na Comissão Especial da Câmara. 18 homens votaram a favor da lei. Uma mulher votou contra.

Aborto viraria crime grave. A última vez em que o ato foi tratado como tal foi no nosso Código Penal de 1890.

Não sei vocês, mas eu não chamaria desenterrar uma lei de quase 130 anos de idade de progresso, exatamente. Pelo contrário, como pessoa letrada, chamo de regresso!

Foto: Yolanda Reis

Outro exemplo disso vê-se no Estatuto da Família. Projeto de lei esperando para passar pelo Senado, definiria família como “união entre um homem e uma mulher” (inclusive, as letras destacadas fazem parte do texto integral. Creio que não são garrafais apenas porque a ABNT não permite).

O autor desse projeto é o deputado federal Anderson Pereira (PR-PE). Entre as outras propostas dele estão: cancelar uma resolução que garante direitos à comunidade LGBT no âmbito escolar, cancelar um projeto do Ministério da Educação que discutiria gêneros nas escolas, e apoio ao projeto que tornaria viável por lei a “cura gay”. E permitir orações cristãs nas escolas.

Portanto, creio ser seguro dizer que o fato dele considerar uma família como homem e mulher está diretamente relacionado a sua aversão à comunidade LGBT no geral. E o fato dele fazer parte da bancada evangélica e influenciar suas decisões por isso vai contra o fato de que ninguém deve ser privado de seus direitos por motivo de crença religiosa.

Lembrando que há quase 200 anos Dom Pedro I decidiu que ser gay não era mais crime no Brasil. E a “cura gay” é proibida há praticamente 20 anos, e mesmo assim não era praticada antes. Novamente, regresso.

Ironia no país da ordem e do progresso. Ironia do país que há anos grita na voz de Cazuza que o tempo não para, e assim nós nos tornamos brasileiros, mesmo quando “te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro. Transformam o país inteiro num puteiro”.

O futuro não deveria ser sobre repetir o passado. Não precisamos de um museu de grandes novidades. Precisamos de progresso e respeito, evolução e revolução. E trazer ao Brasil tudo que é melhor para todos, apoiando decisões alheias e não metendo o nariz onde não somos chamados.

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Yolanda Reis
Paradoxos

24 anos, jornalista. Gosto de escrever, gosto de ler. Agora só falta vencer a vergonha de publicar