Quando o trágico se transforma em espetáculo

Vânia Soares
Paradoxos
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3 min readNov 12, 2017

Você ainda se choca com a realidade dita rotineira?

Por Vânia Soares

10 horas e 40 minutos da manhã, do dia dois de novembro de 2017. Era feriado prolongado de Finados — nada tão sugestivo do que fazer uma viagem. Ainda mais se for de carro. Ainda mais se for para atravessar o Estado de São Paulo com destino a Inhotim, Minas Gerais, com dois amigos e um irmão.

Estávamos confortáveis no trajeto. Já havíamos percorrido mais de cinco horas de estrada. Naquele momento, estávamos na rodovia Fernão Dias, em Lavras (MG), no quilômetro 703, quando o nosso carro parou atrás de uma extensa fileira de veículos. Quando olhamos para trás, já havia mais carros estacionados nas nossas costas. Logo pensamos: “acidente”.

Essas fatalidades parecem tão comuns em época de feriado que o motorista do caminhão à frente, do lado direito da faixa de rodagem, não surpreso, confirma com total convicção o pensamento de todos: “É acidente sim, gente! E está bem lá pra frente!”.

Passados 20 minutos, todos continuavam no mesmo lugar e com os carros desligados (para não consumir gasolina, já que está bem cara). Afoitos por informações, muitos saíram de seus automóveis e puseram-se a caminhar pela rodovia, tentando alcançar o lugar do acontecimento. Um senhor, do carro da frente, parou na janela esquerda do nosso veículo, com ar de amizade, e falou: “Eita que vamos ficar mais tempo parados! Vocês sabem de mais alguma coisa?”. Assim como ele, somente sabíamos que havia ocorrido um acidente. Então ligamos para a Autopista Fernão Dias, a qual nos informou que uma carreta tombara no quilômetro 700 e derrubara produto na pista. E que já estavam tomando medidas para liberar a rodovia.

Após desligarmos o celular, fiquei pensando: “E o condutor do veículo, morreu? Ficou muito ferido?”. Torci para que não se tornasse mais uma vítima fatal das curvas da rodovia. “E logo bem no Dia dos Finados!”, refleti a coincidência.

Então, saímos do carro e repassamos a informação ao motorista que havia nos questionado. Ele logo retrucou para uma possível imprudência do condutor da carreta: “Devia estar dormindo”.

Foto: Vânia Soares

Após uma hora e meia, passou pelo acostamento o carro da ambulância. Não pensei que demorasse tanto para o socorro chegar. A logística em acudir a vítima e em liberar a pista ainda precisa de melhorias. “E se a pessoa necessitasse urgentemente da primeira assistência médica para sobreviver?”

Depois de mais 40 minutos, os carros foram ligados e caminharam, lentamente, até pararem outra vez. Somente às 14h30 a faixa do lado esquerdo foi liberada, então pudemos andar, ainda devagar, porém continuamente. Passamos pelo local do acidente e compreendemos o ocorrido. De fato, havia uma carreta tombada. E o motorista, em cima da maca, estava sendo dirigido para dentro da ambulância. O que me deu um alívio, pois aparentava não ter sofrido algo grave.

Mas fiquei chocada pelo espetáculo montado. Pessoas assistindo a cena e, também, fazendo parte dela. Havia gente na passarela e no acostamento fotografando o assunto. Os carros parados conosco, por mais de quatro horas, passavam vagarosamente só para ver o acidente. A curiosidade, e não o espanto com o caso, causou o amontoamento.

Os acidentes em rodovias já não chocam mais. Não são novidades. É tão comum que já fazem parte das notícias do cotidiano. Aquelas pessoas não olhavam com espanto, mas com intromissão, de querer saber o motivo do acidente, quem era o motorista e se morreu. Peguei-me fazendo parte daquelas pessoas, ao fotografar a cena para esta crônica.

Foto: Vânia Soares

Em torno das 15h20, havíamos deixado o local do acontecimento. Mudamos o nosso trajeto para Ouro Preto, visto que não chegaríamos a tempo em Inhotim. A caminho da nova rota, pesquisei por algum jornal que houvesse coberto o caso e obtive mais informações, além da qual presenciei. Então li que a carreta carregava frangos congelados; tentaram saquear a mercadoria e uma pessoa foi presa.

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Vânia Soares
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Jornalista| Enquanto as palavras existirem, enquanto os olhos enxergarem, eu serei verbo e imagem.