Realidades distintas em meio à pandemia

“O índice de morte da classe alta não aumenta, pois seus privilégios e um bom convênio médico, acabam por salvar suas vidas.”

Matheus Teles
Paradoxos
3 min readOct 14, 2020

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Por Beatriz Abrantes, Carlos Oliveira e Matheus Teles

Foto: André Coelho

Desde março, o mundo conheceu uma nova forma de viver. A expansão do coronavírus fez com que a OMS declarasse situação de pandemia, fazendo com que se iniciasse a campanha “Fique em casa”. Mas, será que todos puderam fazer isso? Infelizmente nosso país não apresenta uma situação econômica boa há pelo menos cinco anos. Com a ascendência na curva de contágio, só piorou o que parecia ser conduzido por uma “cadeira de rodas”. Com isso, muitos que já eram fragilizados em termos financeiros pioraram. E para eles, o “Fique em casa” era, assim por dizer, inútil.

Fazendo uma breve análise dos casos de coronavírus em São Paulo, por exemplo, os distritos com maior número de mortos são das periferias da cidade. Brasilândia e Grajaú são os bairros com mais de 400 mortos, cada um. Os dados são de agosto de 2020, fornecidos pela Prefeitura de São Paulo. E são nesses locais que vivem os trabalhadores, que correm o risco de pegar o vírus todos os dias. Tudo isso para que suas famílias possam ao menos jantar.

O estado avança em seu plano de flexibilização, para que as pessoas possam se divertir ou voltar ao trabalho. Mas o relaxamento no distanciamento social já vem se mostrando um problema para a população paulista. O estado de São Paulo atingiu a marca de 1 milhão de casos. Os dados são de outubro de 2020, segundo a Secretaria Estadual de Saúde. O aumento no número de casos é consequência dos “rolês” que estão voltando a acontecer. Seja uma ida na praia, no bar, ou no seu restaurante favorito, essas coisas já contribuem para a disseminação do vírus. O índice de morte da classe alta não aumenta, pois seus privilégios e um bom convênio médico acabam por salvar suas vidas.

Esse resultado é fruto de um cenário social desigual, em que, para aqueles que a vulnerabilidade social é maior, o risco de morte por covid-19 não assusta tanto quanto a fome. Trabalha-se para sobreviver e correr do risco do contágio, ou ter a certeza de que não terá comida suficiente na dispensa por mais um mês.

Além disso, a realidade profissional dos moradores da periferia não permite que façam “home office”, ou seja qual for o termo importado. O trabalho informal é majoritariamente realizado pelos moradores de comunidade e, nesse tipo de função, a exposição e o contato entre pessoas acabam sendo maiores. Mas a problemática não está aí.

O estudo do site Medida SP mostra que 66% das pessoas que faleceram de coronavírus em São Paulo recebiam menos do que três salários mínimos. Quantas vezes você viu essa informação no jornal? Mas aposto que a manchete “Praias do Leblon lotam em feriado durante pandemia” é familiar.

Esse é um reflexo dos critérios de noticiabilidade em que números de mortos de pobres é menos interessante do que ricos expostos à morte.

A consequência é a problemática de dentro de um sistema, que não pensa na forma em como o menos favorecido vive, entendendo sua realidade social, a exposição de uma família que busca ter o mínimo da dignidade para se estabelecer/sobreviver em meio a uma sociedade hostil: quem quer empregar generosamente um pobre?

Por isso, há o risco. Para ter dignidade. E essa motivação é irrelevante aos olhos sociais. Contudo, para aqueles que podem arcar com a segurança de se estabelecer em um leito do Hospital Albert Einstein, caso, Deus nos livre, for contagiado, vale a pena pegar um sol na praia da Barra.

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