Reflexões pandêmicas de solitude

Em meio à pandemia de covid-19, a solidão pandêmica se instaura

Ritha Contarelli
Paradoxos
3 min readOct 14, 2020

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Por Caroline Sargologos e Ritha Contarelli

Quem está junto quer se manter distante e quem está longe, bom, esses sonham em estar todos os dias ao lado daqueles que amam. Relacionamentos de anos terminaram, amizades estão se distanciando, brigas e discussões familiares acontecem com frequência, levando à percepção de que a convivência 24/7 não é algo assim tão simples quanto parecia. Ao mesmo tempo, laços inimagináveis se fortaleceram e, com eles, chegou a oportunidade de avaliar as pessoas e relações ao nosso redor e perceber a verdadeira face dos relacionamentos. Tudo isso por um único motivo: a pandemia do novo coronavírus.

Crédito: Tayla Walsh (Fonte: Pexels)

No início eram apenas 15 dias. O que são 15 dias sem se ver? Qualquer relacionamento — amoroso, familiar ou de amizade — se sustenta 15 dias a distância, não é? Mas acontece que o que eram apenas duas semanas se tornaram um mês, que se tornaram dois, três, quatro e as pessoas estão confinadas atrás dos portões de suas casas há exatos 206 dias — ou pelo menos é isso que se espera. A pergunta mudou e o que antes era inquestionável passou a ser duvidoso: que relacionamento suporta 206 dias à distância?

Aqueles que se mantêm, se descobrem mais fortes e resilientes, apresentando união e compaixão antes impensáveis. Os que se desfazem são vítimas do esvaziamento inevitável das relações que, ao invés de acontecer ao longo de anos, se deu em alguns meses, evidenciando sua própria impermanência. Como diria o filósofo polonês Zygmunt Bauman, vivemos em tempos líquidos, repletos de relações e amores líquidos e inconstantes. Para quem sobreviveu a esse período em união predominantemente pacífica e companheira, relações mais sólidas sem dúvidas se estabeleceram. Mas para quem não teve tanta sorte, o curso natural da maioria das relações interpessoais da atualidade se encerrou.

Aos poucos, o vazio foi se consolidando. Primeiro, tomou conta dos estabelecimentos, mais tarde, das escolas, das ruas, das casas — que antes costumavam reluzir com a chegada de novas visitas e festas — até, finalmente, tomar conta das pessoas. De uma hora para a outra, a solidão se estabeleceu como uma nova pandemia. As pessoas passaram a se sentir sós mesmo ao redor da família, mesmo em uma sociedade hiperconectada que desfruta de artifícios como as mídias sociais e a internet.

Os laços humanos se mostraram frágeis. Os obstáculos impediram que as pessoas encontrem umas as outras, conheçam indivíduos, respirem novos ares. Eles também levantaram o questionamento: os amores líquidos vão perder espaço no mundo pós-pandemia? Mas por que insistimos em buscar completude no outro? Por que nós mesmos não nos bastamos? Seria a auto-suficiência algo tão inimaginável? Seria ela inalcançável?

O momento atual nos provou que nada adianta a sensação ilusória de liberdade que a liquidez dos relacionamentos nos proporciona. Afinal, o que significa ser livre em uma realidade em que se manter em casa é a maior prática de liberdade que podemos ter? Esta fase nos provou que é inconcebível encontrar conforto no exterior, afinal, mais do que nunca o vazio precisou ser preenchido — única e exclusivamente — por nós mesmos.

Referência Bibliográfica

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 280p.

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