Terra à vista

Vânia Soares
Paradoxos
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4 min readSep 22, 2017

‘Eita, já ouvi isso antes… Quer dizer que têm homens brancos chegando’

Por Vânia Soares

Foto: Rosa Maria/Pixabay

N o dia 22 de agosto deste ano, o governo criou o decreto 9.142/2017, que extinguia (exatamente com essa palavra) a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), antes assegurado pelo decreto 89.404/1984. A nova medida permite que empresas privadas explorem a área, estimada em 46.450 quilômetros, localizada na divisa do estado do Amapá com o Pará. O local é rico em cobre, ouro e outros minérios. [Nota do editor: em 26 de setembro o governo recuou e revogou o decreto]

De acordo com o Ministério de Minas e Energia (MME), quando a Renca foi criada, em 1984, pelos militares, tinha o objetivo de proteger os bens minerais nacionais, porque previa-se o desabastecimento desse recurso na época. Com isso, quem apenas podia manipular as terras, para fins de estudo, era a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), uma estatal vinculada ao MME.

Porém, no terceiro e quarto artigos do decreto de 1984 havia concessões da área a outras empresas que tivessem negociado os resultados dos respectivos trabalhos de pesquisa com a CPRM. Além de permitir o uso pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, por meio de um acordo prévio com o Conselho de Segurança Nacional.

Com isso, constata-se que a Renca não foi criada para proibir a atividade de mineração, mas para dar ao poder público o controle sobre as formas de manipulação das terras por outrem. Esse decreto não mencionava reservas indígenas e de preservação ambiental mas, consequentemente, por limitar o uso da área, favoreceu a criação de medidas de proteção para esse lugar.

Sobre o novo decreto, 9.142, o governo Temer abre a atividade de estudo ao setor privado, descentralizando o uso da área, com a intenção de atrair investimentos ao país. Mas, assim como o decreto de 1984, também não especificou áreas de preservação. Com isso, ao dar liberdade para as empresas mineradoras atuarem na região, o assunto sobre sustentabilidade voltou fortemente na mídia.

Não houve consulta popular. Criou-se, então, a sensação de que o executivo tomou a floresta como um bem individual, decidindo sobre o seu destino em conjunto com empresas mineradoras, sem levar em consideração a importância desse assunto ao restante do Brasil. A Justiça do Distrito Federal, no dia 30 de agosto, suspendeu o decreto 9.142/2017.

Em seu parecer, divulgado no site, o Ministério de Minas e Energia disse que a extinção da Renca teve como finalidade acabar com as atividades irregulares na região, pois, segundo o órgão, o antigo decreto, ao limitar a extração desses recursos, estimulou garimpos ilegais. Mas, quanto a essa premissa, por que o governo não cria medidas de fiscalização mais efetivas na região?

E em um pronunciamento público, o presidente Michel Temer informou que haverá preservação absoluta de toda e qualquer área ambiental e indígena, porém, não deixou isso claro no documento, o que foi motivo de críticas nas redes sociais. Com isso, houve uma nova edição dessa norma, n° 9.147/2017, feita em 28 de agosto, que acrescentou observações quanto à preservação dessas áreas.

Foto: Oscar Castillo/Pixabay

Porém, há um projeto de lei (PL) no Congresso para permitir a atividade mineradora em áreas indígenas, mesmo que seja de preservação. O PL de n°1.610 de 1996 é de autoria do senador federal Romero Jucá, do PMDB de Roraima. Em sua justificativa, o senador “dispõe sobre a exploração e o aproveitamento de recursos minerais em terras indígenas, de que tratam os arts. 176, parágrafo primeiro, e 231, parágrafo terceiro, da Constituição Federal”.

Recentemente, no dia 12 de setembro deste ano, esse projeto de lei foi para a Comissão Especial, que é responsável por examinar a proposta e decidir por sua aprovação. Mas, de acordo com o portal da Câmara, foi “devolvida sem manifestação, uma vez que o Relator deixou de ser membro da Comissão”.

A Constituição de 1988 assegura em seu artigo 23, inciso VI e VII, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” e “preservar as florestas, a fauna e a flora”. Além do Capítulo VIII também zelar pela cultura e terras indígenas. O atual decreto, porém, apesar de incluir essas observações, não diz como irá combater as atividades irregulares que possam surgir.

O que fica evidente é o interesse claro sobre a área de mineração e o pouco aprofundamento sobre o modo como a atividade será fiscalizada, a fim de evitar o garimpo ilegal, visto que o local não será mais direcionado, apenas, para uma empresa. Isso pode elevar o risco de poluição.

Como gerar emprego e renda sem agredir as riquezas naturais do Brasil? Vale sempre recordar o caso de Mariana, 2015. A cidade Bento Rodrigues não existe mais, devido a irresponsabilidade de uma empresa que fazia extração de minério na região.

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Vânia Soares
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Jornalista| Enquanto as palavras existirem, enquanto os olhos enxergarem, eu serei verbo e imagem.