Trufas e brigadeiros

De que forma cada um de nós aceita a perda?

Ritha Contarelli
Paradoxos
2 min readNov 26, 2020

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Por Ritha Contarelli

Confesso que por alguns dias, talvez até mesmo semanas, passei por ela sem nem mesmo notar sua presença. “Trufas por cinco, brigadeiros por três reais”, dizia ela repetidas vezes até que alguém decidisse parar e lhe dar alguns segundos de atenção.

A vi pela primeira vez em um dia chuvoso. Não sei precisar se era manhã ou tarde, nem mesmo como não a notei antes. Lá estava ela. Cabelos brancos da velhice que já lhe alcançara anos antes, talvez décadas. Rugas da idade estampavam seu rosto que um dia já fora livre de preocupações. Marcas de alegria e tristeza.

No dia seguinte de novo e no terceiro lá estava ela outra vez. Sempre apoiada na mesma mureta, sempre com a mesma cesta, sempre cheia com suas trufas e brigadeiros. A presença daquela senhora passou a ser uma parte importante dos meus dias.

Eu, como a grande fã que sou de brigadeiros, cheguei a comprá-los algumas vezes. Alguns dias fazia a longa viagem de metrô pensando nos docinhos que comeria quando chegasse à estação. Sempre com o dinheiro separado para deixá-la ficar com o troco.

Às vezes, ela sumia por um ou dois dias, e eu já começava a me perguntar o que teria acontecido. Estaria ela bem? Teria ela vendido todos os seus docinhos? Ou estava apenas cansada de vendê-los? Um terceiro dia chegou, mais outro e outro. Nada. Nada da senhora das trufas e nem sinal dos seus brigadeiros.

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Eu passei a esquecê-la. O homem que subia as escadas do metrô todas as tardes após o trabalho passou a esquecê-la. O dono da farmácia da esquina também. Com o tempo, em meio à correria, a senhora das trufas e brigadeiros começou a ser deixada de lado e ser substituída por um fone de ouvido, uma conversa ou um livro. Se ela estava lá, não notei, se não estava, eu também não sei.

Hoje, enquanto caminhava cansada pela estação na volta para casa, ouvi uma funcionária dizer algo sobre a senhora e seus docinhos deliciosos. Era quase como se suas palavras fossem direcionadas a mim. Subi as escadas crente que a encontraria, feliz por finalmente comer seus brigadeiros novamente, mas triste por tê-la esquecido por sabe-se lá quanto tempo.

“Trufas por cinco, brigadeiros por três reais”. Era a mesma frase vinda da mesma mureta, mas não a mesma voz ao oferecer seus quitutes, nem foi ela que encontrei apoiada na mureta, não eram nem mesmo os mesmos brigadeiros.

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