As diferentes abordagens da representatividade LGBTQ+ nas telenovelas brasileiras

Brenda Fonsceca e Vitória Albino
Paralelos da Mídia
4 min readSep 13, 2019

Quem nunca se viu sentado em frente à televisão esperando o desenrolar de mais um capítulo de uma novela? Ou até mesmo ouviu — nas situações mais inusitadas — pessoas casualmente comentando sobre o que acontecera na trama da noite anterior? Como ficam então os mocinhos incorruptíveis? E os grandes vilões?

O que se sabe é que a telenovela fez e faz parte da história da televisão brasileira e tem um papel marcante quando tratamos de entretenimento de massa. Mas, em busca de se adaptar e retratar questões contemporâneas ao período que são lançadas, as telenovelas reforçam nitidamente padrões e costumes de uma época. Questão essa que requer um olhar mais crítico, pois são essas mesmas tramas que, por vezes, acabam tonificando estereótipos e preconceitos já enraizados na sociedade.

CRÔ: FINA ESTAMPA (2011–2012)

Crodoaldo Valeiro (Marcelo Cerrado), ou somente “Crô”, foi um personagem que começou até razoavelmente discreto dentro de sua exuberância, mas logo foi ganhando mais e mais espaço na novela das nove.

Claramente inclinado aos ares da comicidade, a criação de Aguinaldo Silva foi criticada por parte da comunidade LGBTQ+ por ser considerada demasiadamente caricata e burlesca, capaz de reforçar alguns estereótipos e preconceitos já vistos tantas vezes na teledramaturgia brasileira. O que, para tantas pessoas, a representação configurada do Crô revelou, na realidade, uma visão heterocentrista que, constantemente, estigmatizou LGBTQ+’s nas novelas.

Foto: divulgação

Porém, apesar de tudo isso, não seria nada surpreendente encontrar pessoas que passaram a ver Fina Estampa exclusivamente por causa do mordomo de Tereza Cristina (Christiane Torloni). Até porque é inegável que Crô estava mais do que apto a arrancar risadas do público com a sua personalidade excêntrica, suas frases espirituosas e as divertidas brigas com o personagem de Alexandre Nero, o Baltazar.

E Crô tanto fez, que satisfez a mídia, assim como o público e, um ano após a telenovela, Aguinaldo Silva roteirizou Crô: O filme — como continuidade a trama de Fina Estampa. O filme foi visto em seu primeiro final de semana por 337 mil pessoas e arrecadou R$ 4,4 milhões de reais. Já em 2018, Crô em Família foi lançado, dirigido por Cininha de Paula e escrito por Aguinaldo Silva.

LUCCINO E OTÁVIO: ORGULHO E PAIXÃO (2018)

Exibida pela Rede Globo em 2018, a novela da faixa das 18h trouxe — dentro de uma novela de época — muitas temáticas atuais, dentre essas, a homossexualidade foi um dos temas abordados. O público, desde o início, é apresentado a Luccino (Juliano Laham), um rapaz tranquilo e carinhoso, de origem italiana, e que, durante boa parte da novela, é caracterizado como um bom irmão e amigo de todos. A trama se desenrola no Brasil de 1910, na cidade fictícia do Vale do Café, período cuja homossexualidade era um grande tabu. Mas de forma sutil e delicada, acompanhamos a história de Luccino rumo à sua autodescoberta.

Pode-se dizer que tudo começa quando ele ajuda a amiga, Mariana (Chandelly Braz), a se vestir como um homem a fim de competir em corridas de motocicletas. Em determinado ponto, quando Luccino e Mario — alcunha escolhida pela personagem de Chandelly — se beijam é que a história do rapaz tem de fato um início e protagonismo.

O italiano, que nunca antes havia se apaixonado por ninguém, acaba entrando em uma jornada para descobrir quem ele é. Pouco a pouco o público é introduzido a essa questão e, quando o Capitão Otávio (Pedro Henrique Müller) e Luccino começam a se apaixonar, o público se vê torcendo pelo casal.

Foto: Gshow

Mais significativo do que apenas acompanhar a história do novo casal, é ver como o relacionamento deles é recebido pelos outros personagens e quais são os obstáculos enfrentados por ambos. De um lado, Capitão Otávio tem medo de perder o seu posto no exército brasileiro — afinal, se descobrissem sua orientação sexual, ele precisaria deixar o cargo. E do outro lado, Luccino que tem medo do que seus amigos e familiares poderiam achar dele. Porém é exatamente esse medo o fato responsável por uma das cenas mais bonitas e emocionantes da novela: quando o rapaz conta para seu irmão, Ernesto (Rodrigo Simas), quem ele de fato é.

É importante frisar que, por mais que a novela seja ambientada em mais de um século atrás, as problemáticas ainda afetam a vida de muitas pessoas. Muitas pessoas têm medo de dialogarem em seu ambiente de trabalho sobre sua orientação sexual, assim como há também um receio do que todos do julgamento externo. Orgulho e Paixão foi a primeira novela nesse horário a apresentar um beijo entre dois homens e obteve uma boa recepção pelo público. Além disso, exemplifica de uma forma simples e apaixonante que a homossexualidade não é algo “exclusivo dos dias atuais”, pois ela sempre existiu.

Mas infelizmente, no desenrolar da novela, Luccino e Capitão Otávio precisam viver às escondidas. O casal dá o seu melhor para viver juntos, ao mesmo tempo que precisam disfarçar a relação, pois, como eles dizem, “O Vale do Café não está pronto para o nosso amor”. Contudo, o apoio de amigos, familiares e colegas de trabalho foi essencial para que os dois pudessem prosseguir nesse relacionamento que refletia, por mais natural que fosse para ambos, representava uma quebra de uma padrões heteronormativos da época.

E de tudo isso fica fácil estabelecer um paralelo entre as diferentes visões sobre a questão LGBTQ+ na teledramaturgia nacional, tendo em vista que que Fina Estampa foi exibida há 8 anos, enquanto Orgulho e Paixão foi uma trama mais recente.

Texto de Brenda Fonsceca, Lorena Gouveia, Vitória Albino e Thallys Rodrigo.

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