A Fila da Tangerina: O Paradigma da autonomia

Ingrid Peixinho
Parapeitos
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2 min readSep 19, 2020

Numa dessas manhãs depois do sinal tocar, estava no refeitório observando as crianças pegando tangerinas naquela caixa branca quando de repente a Esther vira pra mim ‘’Tia, pode descascar a tangerina pra mim?’’ Eu, como uma estagiária super empolgada para conquistar as crianças e estar ali prontamente disposta à acompanha-las respondi que sim, claro que eu poderia.
Na semana seguinte no dia da tangerina Esther me veio novamente com a tangerina para abrir e dessa vez acompanhada por mais uma amiguinha que queria, também, que eu abrisse a tangerina. Mais uma vez parada entre a pilastra e as mesas do refeitório descasquei lá as duas tangerinas para elas. Na próxima semana no dia da tangerina surgiram uns 7 pares de mãozinhas estendidas a espera da abertura da tangerina e eu lá abrindo as benditas tangerinas daquelas crianças de 6/7 anos. Num determinado momento eu até tentei ensiná-las a abrir as tangerinas mas elas continuavam insistentemente me pedir para abrir, e eu, vendo que não me era um problema continuei a descascar as tangerinas.
Hoje no meio dessa quarentena estudando sobre autonomia me pergunto, será que falhei na construção da autonomia com essas crianças estando sempre ali disponível para abrir as laranjas? Será que essas crianças precisavam e queriam mesmo que uma mínima atenção e demonstração de afeto como este de abrir tangerinas? As crianças que surgiram depois, elas não abriam suas próprias tangerinas? Não sei responder estas perguntas, mas diante de tanta saudade só gostaria de uma fila de 30 cabeças para descascar suas tangerinas.

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