Crítica: Caveat (2020)

Leo Medeiros
Parapeitos
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5 min readMay 30, 2023
Caveat (O Alerta), de 2020. Dirigido por Damian McCarthy.

No terror irlandês “Caveat” (O Alerta), Isaac (Jonathan French), de memórias confusas por conta de um acidente recente, recebe a proposta de cuidar da sobrinha de um estranho homem chamado Barret (Ben Kaplan), que se diz seu amigo. Graças a boa quantia em dinheiro, ele topa ir para a ilha isolada onde terá que cumprir o serviço, ainda que não esteja totalmente seguro disso.

A trama do longa se desenha agilmente para o espectador e Caveat não perde tempo em elencar diversos elementos desconfortáveis que estabelecem tensão. Primeiro, a cena introdutória, a princípio destacada da trama principal; depois, essa proposta esquisita desse cara igualmente esquisito. E não para por aí. Conforme Isaac descortina as circunstâncias do trabalho, a coisa só piora: a ilha em que ficará só é acessível de barco e há apenas um barco, em que Barret irá voltar para terra firme, ou seja, apenas quando Barret retornar à ilha é que Isaac poderá sair uma vez que ele revela não saber nadar. Para completar, Olga (Leila Sykes), a sobrinha de Barret, sofre de problemas mentais severos e não se sente segura com um estranho solto na casa dela. Por conta disso, Isaac terá que ficar acorrentado, e, ainda que a corrente o permita se locomover bastante pela casa, seu movimento está inegavelmente limitado, para que não tenha acesso ao quarto da moça.

O detalhe importante nisso é que muitas coisas só são descobertas enquanto ele chega no local. Barret escondeu muitas informações na proposta, se mostrando um homem em quem não se pode confiar. Dito isso, facilmente podemos nos perguntar: quais outras coisas ele escondeu? E é nesse clima que Caveat se estabelece eficientemente como um filme tenso, prometendo muitos desenrolares ruins para nosso protagonista.

Acho que um forte aliado para a tensão e o desconforto, mérito de muitos setores, é o cenário. A casa, em Caveat, é um personagem por si só. Nos chama a atenção, em primeiro lugar, o trabalho de direção de arte em construir um ambiente decrépito, que soa abandonado e envelhecido e que até mesmo nos deixa preocupado sobre em que circunstâncias vive aquela menina — até porque o Barret não parece a pessoa mais dedicada do mundo em ter algum cuidado com ela.

A fotografia usa de cores desbotadas e filtros soturnos, fortalecendo o aspecto de abandono e velhice. A direção, além de ditar um ritmo simultaneamente melancólico e ágil em acordo com o roteiro, enquadra muito bem os personagens, de maneira a tornar e valorizar a casa como espaço estreito, claustrofóbico. Não há como, portanto, com todos esses elementos, não estar apreensivo por Isaac.

O que vemos é que Caveat se mostra filme promissor em perversa criatividade. Mas, não é só promessa: esses usos, tanto da casa quanto da direção, vão se estender pelo resto da trama. Podemos dizer que aqui a casa é tão personagem como, por exemplo, é em “O Homem nas Trevas”, em que o lar do soldado cego é amplamente explorado pelo roteiro afim de oferecer aos personagens possibilidades de solução para contornar situações problemáticas. Aqui, o não acesso ao quarto de Olga, alguns detalhes sobre seus problemas psicológicos, a corrente que limita Isaac e até mesmo um cadáver serão muito bem usados para a história andar.

Entretanto, preciso falar das coisas ruins. Em linhas gerais, há um detalhe sobre Isaac que não encaixa na trama — e nem me refiro a sua louca decisão de ter aceitado essa proposta mesmo depois do gradual aumento de bizarrices que foi lhe aparecendo. Além disso, o filme também flerta com o sobrenatural e, durante toda sua extensão, tratou como ambíguo para no final tomar uma decisão incoerente com o uso inicial. Para falar mais detalhadamente, terei que dar spoilers, então siga por sua conta e risco. Adianto, no entanto, que de nenhuma forma deixo de recomendar Caveat por essas “falhas” que enxergo. Ele é ótimo. Um filme de plot, com uma quantidade saudável de reviravoltas, bom estabelecimento de elementos e uso criativo dos mesmos a serviço do que mais tenho amado atualmente, que é o terror.

Deixando de me conter com os spoilers, me parece que a trama de Isaac e Barret tem algo que não encaixa. Digo, compreendi as mortes que acontecem na família de Barret: a mãe morreu pelo que fazia com o pai e o pai, porque Barret ficou com medo de que ele o entregasse. Mas… não ficou claro porque Isaac se meteu nisso. Não foi por amizade, mas por dinheiro. E o dinheiro servia para que? Esse era o trabalho dele? Não parece fazer sentido, já que ele hesita em prender o cara no porão.

Quanto ao sobrenatural, o que aquele cadáver sair do buraco significa? Em que momento o Isaac saiu dali? O Barret viu uma ilusão? O sobrenatural tinha sido apenas algo que expressava a tensão dos personagens bagunçando a realidade, por que torná-lo literal exatamente no fim? Me passou uma ideia escolha fácil, conveniente para condenar Isaac e Barret por seus crimes. Aliás, fiquei na dúvida se a Olga e o cadáver da mãe estavam numa espécie de união desde o começo. A maneira que a Olga larga o Barret no porão da a entender que ela sabia da mãe.

O final em aberto dela com o Isaac é um pouco estranho também, mas não creio que ele tenha conseguido escapar uma vez que ela estava com aquela arma de longa distância. Enfim, pequenos questionamentos, brechinhas que me incomodam. Nada demais.

A eficiência da direção e do roteiro em rapidamente estabelecer tensão, aspectos técnicos bem alinhados em tornar a experiência desconfortável e uma criatividade exemplar na trama e nos obstáculos criados para o protagonista tornam Caveat um ótimo filme de terror, em que as qualidades compensam suas possíveis falhas. Vale a pena embarcar nessa obra irlandesa, sem dúvidas.

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Leo Medeiros
Parapeitos

Escritor, ansioso; a letra da frente sempre fazendo a de trás tropeçar, mas nunca deixando de dizer.