No meio dos corpos

Ingrid Peixinho
Parapeitos
Published in
3 min readJul 31, 2020

No meio dos corpos tinha um braço
Tinha um braço no meio dos corpos
Tinha um braço
No meio dos corpos tinha um braço

Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas
Nunca me esquecerei que no meio dos corpos
Tinha um braço
Tinha um braço no meio dos corpos
No meio dos corpos tinha um braço

Precisamos falar do bracinho que fica entre dois corpos e não tem espaço confortável para ele.

Com a mãozinha pendurada sendo sustentado pelo cotovelo,
de lado,
debaixo do próprio corpo,
de cabeça pra baixo,
torto pra esquerda,
torto pra direita,
debaixo do corpo outro até que comece a dar dormência
a saga que é arranjar um lugar

para o bracinho que fica entre dois corpos agarradinhos numa cama.

Enquanto o enlace e desenlace das pernas que dobram e esticam flui naturalmente, o bracinho fica lá, geralmente no espaço entre as duas barrigas ou da costela tentando a todo custo encontrar uma forma de se encaixar. O engraçado é que a parte que mais se sente fora do lugar é apenas o antebraço. O braço em si (se é que se chama assim) até que se apoia confortavelmente na cama.

Se você decide deitar de ladinho (de frente) pro corpo outro é necessário aceitar que o antebraço vai ficar meio troncho, e que, com algum esforço, dá até pra fazer carinho na barriga daquele ser, apenas para arranjar alguma utilidade e ele não se sentir muito de fora do rolê, porque de forma alguma a sensação do carinho vai chegar até você, já que a outra parte do seu braço está esmagada debaixo de ti.

Outra opção que temos é deitar de barriga pra cima assim o braço que fica entre tem duas opções.

1 — Se esticar e servir de travesseiro pra outra pessoa, o que significa que em algum momento seu braço vai começar a formigar, porém nem sempre, porque há um exato ponto entre o ombro e o peito que se a pessoa deita nem dá pra sentir no braço.

2 — Se você é um ser humano de um metro e meio, como eu, não cola essa opção de cima. Então, novamente, a saga do bracinho entre as cinturas/barrigas/costelas começa. Aí você pode dobrar o bracinho e colocar em cima da sua própria barriguinha, mas acaba perdendo um pouco do espaço de carícias da outra pessoa, já que seu próprio braço está ocupando o espaço que o braço da outra pessoa iria ocupar. Ou você deixa seu bracinho lá do lado do corpo e investe num carinho onde quer que seja que sua mão alcance.
E a última, mas não menos importante. A famosa conchinha, que consiste em colocar o bracinho do meio em qualquer lugar, por quanto tempo você aguentar, até desmanchar a forma dos corpos acoplados e ir cada um pro seu lado, ter uma boa noite de descanso.

A verdade é que não há bracinho fora do lugar no mundo que supere a prazerosa sensação que percorre o corpo de cima a baixo quando se deita junto do outro.

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