O fim de um ciclo para a Paratii

Felipe
Paratii
Published in
6 min readAug 30, 2018

A Paratii nasceu para criar novas fontes de receita para produtores de conteúdo, e avançar a infraestrutura para aplicações de vídeo capazes de operar independentemente aos monopólios da web.

Levantamos investimento, construímos tecnologia peer-to-peer de ponta, um par de produtos e uma comunidade ativa. Não ganhamos tração suficiente para atingir rentabilidade, ou assegurar um próximo round de funding nas condições almejadas.

A Paratii deixa de existir como um negócio e um produto suportado por um token. Ela continua existindo como um projeto open source e uma rede de colaboradores espontâneos. Não houve hack. Não houve drama legal. Nem disputa entre egos. O que houve?

De 2016 em diante, formamos um time enxuto no Brasil e na Itália, mais tarde no Egito e nos EUA.

Prototipamos aquele que foi provavelmente o primeiro player de vídeo com uma carteira ERC20, no mundo. No meio de 2017, conduzimos um primeiro round de funding com um punhado de investidores-anjo que apostaram em uma tecnologia p2p alternativa para a distribuição e monetização de vídeos.

A maioria das startups espera até que a ciência básica esteja pronta, e então desenvolve uma tecnologia com um caso de uso. Ainda assim, falham em manadas. Começar um negócio onde ainda não há clareza sobre se a realidade permitirá o que você está tentando atingir requer um estômago forte e um pé na desilusão.

Poucas pessoas percebem, mas, especialmente a um par de anos atrás, esse era realmente o caso na indústria dos cripto-ativos. Ainda estamos em “modo ciência” por boa parte do tempo — não é de se surpreender que muitos dos projetos mais importantes no mercado se parecem mais com times de pesquisa do que com companhias, de fato. É difícil equilibrar a ingenuidade que P&D no espaço requerem com a assertividade que negócios pedem.

A jornada da Paratii sentiu este peso. Como outros, balançamos entre um approach orientado a aplicações e o viés de plataforma - tentando acomodar os interesses de usuários famintos, de apoiadores financeiros, nossa estratégia e, no fim da contas, o que achássemos ser correto.

🔎 O que conquistamos

Prototipamos uma visão de aplicações de vídeo descentralizados em dois produtos alpha, juntamos algumas centenas de usuários, e “nos aventuramos a descer pela stack” (protocolos de camada mais baixa) para construir o que faltava para suportar dApps como os nossos.

Trabalhamos no js-ipfs, permitindo a browsers fazerem streaming de arquivos pesados entre si sem engatilhar problemas de sobrecarregamento. Especificamos com o time da Livepeer um caminho para que a rede deles suportasse video-on-demand, e “hackeamos” um set up. Escrevemos a biblioteca paratii.JS para ajudar videodevs que usam IPFS para armazenagem de arquivos e Ethereum para atribuição. Pilotamos com alguns publishers uma versão modificada do player Clappr com uma carteira embutida e compatibilidade com o IPFS. Fizemos o primeiro TCR de vídeos de que se tem notícia, com código publicado, ainda que em uma testnet.

Projetamos que “curadoria” seria uma camada importante na pilha de protocolos da web3, e focamos esforços em generalizar mecanismos que vínhamos prototipando em ambientes controlados. dApps de vídeo precisarão filtrar o conteúdo que transmitem — seja live ou on-demand — e sentimos que oferecer uma alternativa descentralizada cedo poderia ajudar essas aplicações a evitarem problemas legais e escalarem sem depender de moderação monopolizada.

🔮 O que (e por que) não conquistamos

Negócios fazem dinheiro. É (parte d)o que separa uma venture de um projeto. É preciso criar e capturar valor, em escala. Mesmo que, no começo, a maneira como isso será feito, exatamente, ainda seja desconhecida.

Não atingimos sustentabilidade. Criamos valor, em publicando código, iniciativas educacionais, contratos e conteúdo, mas não o capturamos. Não quisemos forçar um modelo de capitalização artificial cujos fardos são evidentes, mais adiante (demoramos para perceber e agir de acordo).

Captura de valor, na indústria, ainda é um tópico nebuloso. Vale lembrar que Gutenberg morreu falido, e demorou 70 anos até que um negócio existisse em cima da imprensa (além da igreja). No caso da web, Tim Berner Lee, Vint Cerf e Bob Kahn, juntos, provavelmente não tem 1/1000 da riqueza de Mark Zuckerberg.

Redes de computação sem dono não existiram em escala antes. Modelos de negócio sobre elas ainda estão em suas infâncias. Tokens podem ser ou não ser parte da inovação. Se alguém estiver seguro demais em relação a isso, tenha uma pulga atrás da orelha.

“História pra investidor dormir”

História pra investidor dormir é um fenômeno que assola os bastidores da internet. Acontece quando se compra milhões em equity de uma rede social sem modelo de receita em vista. É não questionar os incentivos fundamentais por trás de um negócio para o consumidor final. É a tendência intrínseca, enraizada, à vigilância em massa na web 2.0. É construir produtos para investidores, em vez de usuários.

Não sabemos quais são as consequências na web 3, mas tem certamente muita “história pra investidor dormir” sendo espalhada por aí.

Alguns acham que se trata de um meio plausível para justificar um fim nobre. Não concordamos. Este fenômeno levou milhares de tokens a existirem, mas progresso sub-ótimo através da indústria, ao longo dos anos.

Pra quem vê de fora, a imagem é clara: pools de talento que poderiam estar gerando X impacto no avanço de suas respectivas áreas (e criação de valor subjacente), mas que geram X/Y impacto, em vez disso — onde Y é um incentivo ao trabalho que se sobrepõe ao de outrem, emanado de uma corrida cega por protocolos de “baixa camada” e falta de clareza em torno de “captura de valor”.

A premissa à qual aderimos é a de aprender a construir sistemas digitais que organicamente fazem redes mais eficientes emergirem, e organicamente se tornam melhores com o tempo. Não atingimos um equilíbrio entre esses dois objetivos e o requerimento natural por capital.

🔭 Dando um zoom out

No começo, era o bitcoin. Depois, vieram Namecoin, Litecoin, Colored Coins. Hoje, os holofotes estão sobre a Ethereum. Amanhã, serão outras.

A criptolândia muda rápido. Parar pra respirar pode ser um hábito saudável. Uma vez dentro do jogo, é preciso entender a tendência macro que toma forma.

Trata-se de muito mais que uma moeda, ou uma plataforma.

Pode ser a devagar reinvenção da firma. Pode ser zonas autônomas temporárias. Pode ser open source bankware. Pode ser política monetária na ponta dos dedos, pra quem quiser aderir; pode ser novas formas de trabalho. Pode ser um novo paradigma em se tratando de colaboração.

Pode ser. A web3 não é inevitável. Talvez nós não escalemos a bilhões de usuários num futuro próximo. Talvez os objetivos da web3 estejam fadados a permanecer sempre a preocupação de um nicho. O futuro não é fixo, como diz Josh Stark: temos que fazer as escolhas certas para moldarmos o mundo em que acreditamos.

Os mesmos problemas humanos que existem em todo lugar existem online, também. Confiamos nos esforços da comunidade em torno da Ethereum para garantir que, desta vez, limitações ao poder e ao controle sejam requerimentos de design, e não reflexões posteriores à internet.

É uma oportunidade única viver o exato momento em que esse ciclo de invenções decolou. Quando se vê um vetor no espaço, acredita-se no futuro dele, e ainda é cedo; existe a chance rara de fazer algo pequeno, mas que pode empurrar a curva na direção certa, de modo que o impacto se torne evidente conforme o tempo passa e se dá um “zoom out”. Esse algo pequeno pode ser um “sim”, para a oportunidade correta. Pode também ser um “não” para a errada.

A Paratii construiu um time incrível, e contribuiu um bocado de valor para o ecossistema de vídeo na web3. Esperamos continuar fazendo o mesmo — distribuídos.

A Paratii está se tornando um laboratório de P&D em código aberto. Você pode aprender mais sobe o que isso significa no nosso próximo post.

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