Entrevista com
Francisco Mata Rosas

Estúdio Madalena
Blog do 11º Paraty em Foco
11 min readAug 3, 2015

Entrevista por Julio Boaventura Jr e Manuela Rodrigues

Francisco Mata Rosas realizará o workshop
Parafraseando com dispositivos móveis
no dia 27 de setembro durante o 11º Paraty em Foco.
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Antes de sair para mais uma turnê de viagens pela América Latina com uma aguardada escala em Paraty, o fotógrafo, curador e pesquisador mexicano nos contou um pouco de sua trajetória na fotografia, o porque de seu interesse sobre questões culturais, sociais e políticas do México, o uso de dispositivos móveis em seu cotidiano, trabalhos, pesquisas e o que pretende exercitar com os participantes do workshop durante o festival.

Qual foi o seu primeiro contato com a fotografia?

A fotografia sempre fez parte do meu entorno familiar. Meu pai é impressor e em sua oficina fazia livros e cartões-postais. Além disso, sempre foi um entusiasta avançado da fotografia. Nessa época, as férias ou aniversários sempre terminavam com a casa escura e o projetor de slides mostrando imagens na parede.

No entanto, quando estudei comunicação na universidade o que queria fazer na realidade era escrever. Eu gostava do jornalismo escrito, em especial da crônica. No final do curso queria estudar cinema, que é o que mais gostava depois da escrita. Hoje vejo que tentei dar a volta na fotografia, mas acredito que as cartas já estavam marcadas para ser um fotógrafo.

Até 1986, sempre levei a fotografia em um nível amador, participava de alguns clubes fotográficos e coisas do tipo, até que surge no México um jornal muito importante chamado La Jornada. Uma publicação de vanguarda e de esquerda que fui convidado a colaborar. E é a partir desse evento que começo a dedicar tempo integral a fotografia de maneira profissional.

Ainda considera que sua linha de trabalho é o fotojornalismo?

Não. O fotojornalismo me deu muitas bases, foi a minha escola. Me ensinou a resolver rápido, a vincular informações, a estar muito atento e tudo mais. Além disso, nesse momento, fotografava com câmeras analógicas e fazia minhas próprias revelações e acho que isso teve grande influência no meu modo de trabalho. A maneira de disparar era diferente, de processar o material, como viajar com um minilab e montá-lo em um banheiro, por exemplo. Não estou dizendo que era melhor ou pior, apenas que eram outras circunstâncias e que isso me ensinou muito.

Como foi seu caminho até a fotografia autoral?

Trabalhei seis anos no jornal, depois três ou quatro anos como freelancer e em paralelo comecei a desenvolver projetos pessoais documentais de longo-prazo.

Durante certo tempo fui combinado meu trabalho no jornal com meus ensaios, até que pouco a pouco, fui me desprendendo do fotojornalismo e focando mais no campo da fotografia editorial. Começo a trabalhar mais para fazer livros, publicar e vender fotografias para as editoras e agências. Até que em um momento passei a ganhar bolsas no México, Estados Unidos e outro tantos lugares, e então pude me dedicar totalmente ao meu trabalho pessoal. De tal maneira que com essa fórmula fiz sete livros e há quatro anos também trabalho fixo em uma universidade no México, como pesquisador e professor.

A maior parte do seu trabalho autoral se concentra na vida cotidiana e nos problemas sociais e políticos do México, porque esses temas te interessam tanto?

Meu interesse particular sempre foi a cultura popular, mais precisamente a cultura popular urbana. Penso que esses fenômenos da vida cotidiana urbana convergem sob vários tópicos como o tema da migração, a relação entre espaço público e privado, entre contra-cultura e cultura, e entre o exercício do poder e a vontade de poder, por exemplo.

Também tenho interesse especial no ritual nativo dos habitantes dos bairros. Estou interessado em como se relacionam dentro dessas comunidades, que características têm que em outras partes já não identificamos. Por exemplo, a solidariedade, o sentimento de pertencimento ao lugar, uma identidade ou uma característica muito marcante de tolerância e outros aspectos que em outras partes sinto que estão se perdendo.

"Em geral, as classes médias do mundo se parecem cada vez mais. Usamos as mesmas marcas de roupas, assistimos aos mesmos filmes e séries de tv, ouvimos a mesma música, comemos a mesma comida. Viajamos, mudamos de cidade e de repente tudo é tão semelhante, os centros comerciais, os shoppings e os hotéis."

Assim, sinto que estamos homogeneizando a cultura em um tom de cinza muito próximo, e para mim, a cultura popular e as comunidades ainda têm essas pontas soltas por todos os lados, ainda apresentam essas características particulares que me interessam muito.

Nesse processo de trabalho como faz uso dos dispositivos móveis?

Desde sempre tive a necessidade de testar formatos e experimentar. É parte do meu processo, especialmente quando sinto que estou começando a me repetir, ou quando começo a “não ver”. Nesses momentos, o que faço é mudar o ponto de vista, alterar o formato da câmara. Porque acho que isso me refresca o cérebro e me faz pensar, compor e clicar de outra forma. Por isso ainda trabalho com película, formatos médios, câmera digital, celular, câmeras Olga, panorâmicas e o que mais estiver disponível.

"Penso que cada um destes dispositivos é uma ferramenta. Gosto de me imaginar como um pintor que têm todos os tipos de pincéis e que cada um tem um uso específico. Da mesma forma vejo o equipamento fotográfico."

Então, desde que lançaram o iphone, o aparelho virou parte do meu equipamento, a princípio como um experimento, e depois conforme foi melhorando foi se tornando cada vez mais um dispositivo útil. E ainda mais recente, quando surge todo esse boom do que chamamos de fotografia 3.0, que é a equação de telefone + câmera + acesso à internet, as redes sociais e os aplicativos, isso reconfigura tudo.

Para além de uma ferramenta, como parte de meu trabalho de pesquisador na universidade também temos nos interessado muito no assunto. Fizemos um documentário sobre selfies, um livro sobre dispositivos móveis, entre outras atividades, porque é parte constante da nossa reflexão. Agora, por exemplo, estou trabalhando em uma palestra que vou falar sobre o uso que estão dando dos celulares traficantes de drogas e suas mulheres.

Você acha que o uso do celular mudou sua forma de fotografar?

Quando comecei a fotografar, era um desses que como devem ser todos os fotógrafos quando começaram, dormia, saia e comia com a câmara. O tempo todo tinha a ideia de que podia encontrar alguma coisa, porque naquele tempo para mim era muito mais importante a fotografia do encontro e do choque. Mas agora não, com meus projetos trabalho mais a fotografia de pesquisa, uma fotografia mais de planejamento. Que serve para encontrar também, mas só o que você está procurando. É outro ritmo de trabalho.

Por isso deixei por um longo tempo de carregar a câmera diariamente e passei a usá-la apenas quando ia fotografar meus projetos. Mas quando vem o celular, voltei a trazer a câmera todos os dias, e desde então, passou a fazer parte do meu registro cotidiano onde quer que esteja.

Atualmente tenho me sentido tão à vontade com o equipamento, que estou desenvolvendo projetos particulares feitos apenas com celulares. E ainda passei a usá-lo também para gravar vídeo e áudio, além dos aplicativos incríveis que vou descobrindo. Mas não posso contar mais, porque é parte do workshop em Paraty.

Sobre a pesquisa que você mencionou com os instagrams dos traficantes de drogas e suas mulheres, que conclusões você chegou?

Conclusões ainda não, porque estou no processo de investigação. Mas o que descobri até agora é que existe um protótipo de mulher de narcotraficante. Mulheres mega operadas que gastam um monte de dinheiro com seu corpo, que adoram ostentar o que compram, bolsas, sapatos e outros itens de luxo. É um protótipo de mulher muito espectacular e voluptuosa e com algumas características especiais.

Primeiramente comecei com esse interesse e depois fui descobrindo que cada vez havia mais fotos daquelas mulheres com armas, ou com filhotes de tigres, leões, carros Ferrari, e coisas do tipo. Mas o que notei é que aí os registros já não são selfies. Portanto, a primeira conclusão é a de que quem tira essas fotografias são os próprios traficantes de droga. E que nesse processo suas mulheres figuram como a maioria dos seus bens de consumo. Então, do mesmo jeito que eles ostentam uma Ferrari, um cavalo puro sangue, armas e jóias, também ostentam suas mulheres.

Outro aspecto que despertou meu interesse é pensar como a polícia do mundo inteiro está de olho nos narcotraficantes e eles estão aí dominando as redes sociais. Onde teoricamente seria fácil detectar quem são, onde estão e capturá-los.

Outra questão também muito interessante é sobre algo que até recentemente era um motivo de preocupação: de que algumas coisas não estavam sendo documentadas da forma tradicional. Por exemplo, nós não conhecemos um fotógrafo que está metido neste ambiente do tráfico, documentando a vida desses personagens em ensaios como os de W. Eugene Smith ou Robert Frank. Por outro lado, não creio que haja mais necessidade pois eles estão se autodocumentando. O mesmo acontece com as comunidades indígenas, ou com as favelas.

"É muito interessante ver como o acesso ao telefone celular com câmera, as redes sociais e tudo o que já dissemos, está transformando, ou deveríamos entender que está transformando completamente nosso conceito de fotografia documental."

Você acredita que a fotografia documental clássica já não faz mais sentido atualmente?

Durante um longo período de tempo em nossos países um pensamento antropológico clássico da década de 90 e início dos anos 2000 foi o de dotar as comunidades de câmaras para que não tivessem um ponto de vista externo. Para que eles não tivessem esse olhar do branco hegemônico que vem para fotografar o negro, o índio ou o pobre. A ideia era tentar democratizar o olhar para que houvesse uma autoconstrução da identidade a partir da fotografia ou do cinema.

Bem, acho que foi um sonho que agora virou realidade, e isso foi feito sem a necessidade de agentes sociais, e sem a necessidade de transferência de tecnologia ou de acesso a estes meios de comunicação de uma forma planejada. O processo foi praticamente feito através de uma imposição tecnológica e econômica. E assim chegamos a um ponto onde a autodocumentação é uma realidade. Então para mim, ver esse setor dos traficantes que aparentemente é um dos mais críticos, um dos mais fechados e de difícil acesso, se apresentar nas redes sociais que estão aí, me interessa muito.

Resumindo a partir dessas observações podemos discutir a autodocumentação, as concepções de documentação e como elas se transformaram, a construção de identidade e muitos outros fenômenos. Como as as selfies, que evidenciam um grande paradoxo onde todos se fotografam de maneira igual querendo se mostrar diferente. E, finalmente, esteticamente é um deleite ver essas fotos, pois estão além de qualquer concepção que você tenha de kitsch, de absurdo, ou do que desejar. Se Marcos Lopez quisesse colocar isso em uma cena não conseguiria [risos] é incrível o que se passa nessas imagens.

Você se considera um curador de imagens das redes sociais?

Penso que em vez de curadoria, acho que é um trabalho fotográfico mesmo. Uma das abordagens do que é chamado de pós-fotografia (mesmo que o termo já soe um pouco velho). Basicamente é o conceito de que agora você pode tirar fotos sem câmeras. Joan Fontcuberta disse que deveríamos entrar em um momento de ecologia da imagem e reciclar um pouco de tudo que está na rede, e acho que ele tem razão.

"Me parece que nesse momento, ser fotógrafo não significa apenas disparar a câmera. Ser fotógrafo é desenvolver projetos de ressignificação de imagens, de recontextualização, onde cada vez mais se fundem nos trabalhos aspectos interessantes de curadoria, pesquisa, reflexão e criação."

E não como campos separados, nem mesmo em termos de consciência criativa, pois é algo que acontece todos os dias e que fazemos de maneira inconsciente.

Quando pegamos uma foto, por exemplo, e a colocamos em uma das pastas do Tumblr o que estamos fazendo é curadoria. Uma vez que temos um critério com o qual devemos selecionar as imagens e agrupamos diferentes autores em torno de uma ideia, isso, é curadoria. Quando pegamos uma foto de outra pessoa e colocamos em nossa capa de Facebook, a ressignificamos. Então todos os dias estamos fazendo isso de forma intuitiva. E me interessa muito levar essa realidade para o campo do debate acadêmico, para que se gerem processos criativos a partir dos fenômenos que já estão acontecendo.

"A todo momento estamos ressignificando ideias, estamos reconstruindo e criando novos discursos, e na minha opinião esse é um dos dispositivos de geração de conteúdo mais importantes que existem nesse momento do século 21."

Pode falar mais sobre como esse processo vai estar presente no workshop que vai realizar em Paraty?

Vou propor que nós utilizemos aquilo o que chamo de detonadores de conteúdo, e nesse caso utilizaremos o detonador da apropriação. Então, como exercício vamos usar uma imagem clássica que todos nós conhecemos e que seja um ícone cultural para gerar uma paráfrase. Ou seja, recontextualizaremos a imagem e a colocaremos no hoje e no agora. E todo esse processo será feito através de dispositivos móveis, as paráfrases, recriações, reapropriações, plágios, ou como você quiser chamar.

Mas gosto de ressaltar que para ser capaz de reconstruir uma obra você tem que analisá-la, tem que contextualizá-la. E nesse processo de desconstruir e reconstruir entra o que você pensa, quem você é, o que te preocupa, o que já leu, a música que escutou, qual é o seu ambiente familiar, sua preferência religiosa, sexual, sua afiliação política, tudo entra nesse momento em que você tiver que decidir como você vai redesenhar a imagem. Então, pode parecer um exercício muito simples, mas ver o processo, o que acontece no meio disso é a parte mais interessante.

Então na maioria dos meus workshops me interessa mais o processo do que o resultado. Como ficam as fotos realmente não me preocupa. Porque quando fazemos esse tipo de coisa, especialmente se participarem do workshop fotógrafos que são muito ligados às formas clássicas da fotografia, o que acontece é que você abre a cabeça. E sem dúvida, quando voltar a fazer seu trabalho vai fazer diferente, simplesmente porque viu outra forma de fazer fotografia.

"Mas isso não quer dizer que eu faça parte de uma seita que quer induzir cada um a fazer esse tipo de fotografia. Aquilo que gostaria é mostrar que existe outra maneira de fazer isso, que neste momento estamos pensando a fotografia de outra forma e que vale a pena juntar-se a nós."

Vai ficar de fora dessa experiência?
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A edição do blog do 11º Paraty em Foco
é de Érico Elias e do
Oitenta Mundos .

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