O Cronograma do Acaso

Coletivo Trama
Parceiros do Trama
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5 min readAug 24, 2016

Eu me chamo Bruno. Bom, pelo menos foi esse o nome que me deram!

Quando criança, vivi uma tragédia. Meus pais morreram, com intervalo de um ano de um pro outro. Eu tinha 3 e depois 4 anos. Mas fiquem calmos, pois isso define um pouco a minha trajetória. Sendo assim, me sinto feliz e consciente por reconhecer e valorizar minha história.

Diante da ausência de meus pais, fui criado com parentes próximos, minha família. Era um lar tradicional, e eu nunca me senti totalmente em casa. Ou seja, minha pulsão errante e “nômade” já despertava na adolescência, pois eu não concordava com aquele modelo de organização, do tipo militar, ou tendo que obedecer a uma hierarquia… Não, não estou sendo ingrato, sou muito grato. Porém, já naquele momento, eu não me adaptava a esse tipo de sociedade.

Na escola era a mesma coisa, não conseguia enxergar naquele modelo nada que me ajudasse a chegar onde eu precisava, porque ele dizia mais ou menos aonde todo mundo devia chegar. E eu, especificamente, não pretendia chegar a lugar algum, pelo menos não naqueles lugares que a sociedade me instruía a ir. Resumindo um pouco esta parte: passei toda infância e adolescência recebendo coisas que teria que me desfazer depois, ou seja, comecei a desaprender e a desconstruir muitas coisas, quase tudo que recebi durante mais de 20 anos.

Na faculdade comecei a respirar um pouco do ar que precisava. Logo no início, tive a presença de um Professor de Cultura Corporal, que abordava muita política e história, e a partir dessa aula comecei a compreender algumas coisas, além de ter mais sagacidade pra enxergar o mundo.

Naquele momento, dei um passo importante que mudaria os meus próximos 10 anos de vida. Comecei a descobrir a Filosofia e as Ciências que estudavam a sociedade, e seus respectivos modelos de organização. Conheci autores que questionavam este modelos, e não somente autores, mas pessoas que se rebelavam contra esses sistemas. Foi como me sentir em casa desta vez, pude reconhecer ali que eu não estava sozinho. O que foi muito importante pra que eu me engajasse na militância e começasse a participar de algumas lutas sociais, mesmo que discretamente, até entender que meu corpo vibrava realmente por aquilo.

Meus irmãos casaram, tiveram filhos, compraram carro, casa, passaram em concursos e tinham estabilidade. Eu fui morar sozinho, me formei e pedi demissão com um ano de trabalho, não comprei uma casa e nem tenho uma, também não comprei um carro e não quero um por enquanto, e não passei em concurso algum.

Eu não estou fazendo esta explanação para me comparar a meus irmãos e dizer que eles estejam presos a algo, mas apenas pra demonstrar que as pessoas podem ser felizes de diversas formas, mas nem todo mundo vai ser feliz tendo estabilidade e pouco tempo, tendo muito dinheiro, família, carro e muitas outras coisas as quais parecem condição sine qua non para felicidade. Eu não quero viver o American way of life. Eu gosto muito de pessoas, tenho facilidade em fazer amizades, mas preciso muito sempre de meu espaço, de minha solidão. Eu gosto da solidão em muitas oportunidades.

Não somente busquei uma vida instável, como minhas emoções foram sempre muito instáveis, principalmente toda vez que eu me sentia rejeitado. É engraçado porque eu passei um período de mais ou menos 7 anos com muitas ocupações entre trabalho e faculdade, e, quando superei a etapa da faculdade e resolvi me demitir, entrou em minha rotina algo chamado tempo. A partir daí, comecei a criar porque tinha tempo, comecei a escrever e escrever e não parei mais. Eu continuava instável emocionalmente, com minhas questões pra resolver, porém, depois que conheci algo chamado tempo livre, nunca mais quis outra coisa.

Hoje uso esse tempo pra fazer o que eu quiser, sem obrigação de produzir ou de ganhar dinheiro, porque pra mim tempo não é dinheiro, é outra coisa muito mais preciosa.

O mundo carece cada vez mais de tempo, ele está comprimido e é necessário. Dizem que as pessoas ocupam seus tempos, todo e qualquer, principalmente consumindo. Consome-se coisas das quais não precisam, e toda essa loucura deteriora o mundo. Quanto mais se consome, mais se deteriora o Planeta. É um ciclo vicioso, e, como todo ciclo, há de ter seu fim. Vide a situação climática/ambiental, e as doenças de diversas espécies causadas por esse ciclo. Alguns adoecem e morrer de tanto consumir, enquanto outros adoecem e morrem por não poderem consumir o básico.

Todos nós sabemos que há alimentos/recursos suficientes para todxs, porém, esses são muito mal distribuídos. É porque uns precisam ter muito para que outros não tenham nada, a lógica do capitalismo.

Acredito, porém, que algumas formas que ganham força novamente hoje em algumas partes do mundo, como a economia colaborativa pode render bons frutos a longo prazo. Esta lógica de colaboração, mais que uma alternativa aos ramos do modelo econômico vigente, nos ensina a pensar mais no coletivo, na divisão da responsabilidade financeira e sobre o consumo. Consumir menos e melhor, de forma que atenda mais pessoas segundo cada um com suas possibilidades.

Atualmente, tenho um projeto só meu de poemas, chamado Sou Sossego. Foi inspirado em um homem que conheci em uma praia deserta, que me disse que trocou seu nome para “Sereno”. E, algum tempo depois esse encontro, vivendo em uma rotina enlouquecedora de trabalho, resolvi romper com a “estabilidade” que isso oferecia. Entendi que tempo era mais importante que trabalhar muito para adquirir coisas que eu não precisava. Entendi que eu precisava de tranquilidade e desfrutar das coisas simples, do pensamento, da arte e da natureza. A partir daí surgiu esse nome (Sou Sossego), e tudo começou a fluir depois dessa decisão.

Esse texto foi criado por Bruno Simas, parceira do Coletivo Trama.

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