Fuga para Lá Maior

Naia Veneranda
Revista Pasmas
Published in
2 min readAug 7, 2019

Crônica de Naia Veneranda

Por Naia Veneranda

Toda vez que ando por aí e vejo as pessoas celebrando a vida fora de casa com cadeiras na calçada, churrasco na calçada, cerveja na calçada… Tenho dois sentimentos. O primeiro: eles não têm direito de tomar a calçada para si. Em seguida, sinto que seja lá qual for a música que estiverem ouvindo, sempre, sempre é alguma melodia em tom menor e isso é cruel pro meu coraçãozinho congenitamente nostálgico.

É como se toda aquela fumaça de churrasco fosse um portal de uma dimensão que me levasse de volta à infância. Tudo isso ocorre em questão de segundos, mas basta passar pela fumaça para desejar que momentos assim se repitam todos os dias.

Não tem muito jeito, penso que toda alegria acaba sendo em tom menor, como um pagode da década de 90, um samba partido alto ou um socialíssimo Odair José. Aqueles que tocam de maneiras diferentes no coração, no corpo e na mente. Quem me ensinou isso foi meu tio, músico: que o tom menor é triste. Sem pensar muito, diria que o que mais me toca é o Mi menor. Acho que as músicas que eu comporia, se as compusesse hoje, seriam em Mi menor.

Lá maior me parece uma nota capciosa, carrega um quê de ilusão, cai bem com um andante, mas acho que serve mesmo é pra compor uma Fuga… Se eu compusesse uma sinfonia ela seria “Fuga para Lá maior”, é isso! Mi maior combina com Ré menor. Lá maior e menor. Não… Mi maior combina com Sol maior. Sol menor, só quando tem maior. É uma armadilha combinar Sol Maior com Ré Maior. Ré maior não é bom, mas Ré menor, sim. Dó maior às vezes vem com Ré maior.

Mas… tom menor é triste, em geral. Acho que Mi menor é sempre triste. Olha que lindo: Mi maior, Sol Maior, Dó menor, Ré bemol… Sei lá o que é bemol. Paraíso mesmo é Mi sustenido e Dó menor… Mi sustenido, trá lá lá lá… Mi com Si maior e Sol maior. Deve soar lindo! Mi menor e Si maior, não. Mi menor é triste.

Mas de música só entendo os acordes que aprendi quando tentei tocar violão. Então sigo passeando pela cidade, topando com o cheiro de churrasco, ouvindo aquelas gargalhadas já meio ébrias e os gritos para as crianças não irem pra rua com a bicicleta. Ouço tudo isso em Ré, de fato, mas meu caminho (e só sei fazê-lo ao caminhar) resiste para que em cada nota ressoe sempre um sustenido Mi maior.

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