Procura-se um líder

Fernando Birman revela sua expectativa e decepção com o governo atual, a partir de sua experiência no mundo dos negócios.

Heloisa Pait
Revista Pasmas
4 min readMay 7, 2020

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Por Fernando Birman

Para quem não me conhece, sou engenheiro com especialização em Economia e Administração de Empresas e executivo em tecnologia da informação. Após 34 anos de vida corporativa, virei empresário, consultor e professor. Tive uma longa vivência europeia, devido a duas expatriações e quase uma década entre Brasil, França e Bélgica.

Paulo Guedes, foto de Ciaran McCrickard

Sou daqueles brasileiros da maioria silenciosa. Pelo menos, era silenciosa há alguns anos. Hoje, ninguém escapa de uma manifestação ou batida de panelas. Por muito tempo, cada mudança de governante foi um momento de emoção e otimismo: aquela hora do agora vai! Isso valeu até o segundo mandato da Dilma.

Escrevi muito: centenas de artigos técnicos e um blog. Este último foi importante durante o período fora do país, criando um vínculo com meus amigos do Brasil. Ocasionalmente, falava sobre política, um tema que ficou impossível — pelo menos para mim — a partir de 2014. Não tenho estômago para receber tantas reações sanguinárias aos meus textos, feitos por puro prazer para um público ínfimo.

Desde 2014, o clima de campanha nunca acabou. Surgiu a chamada “polarização” e nunca mais fomos os mesmos. As mazelas do país ficaram expostas. A informação, verdadeira ou falsa, corre pelas redes sociais. Somos nós contra eles. Melhor dizendo, eu e algumas dezenas de milhões de brasileiros no meio do tiroteio.

A campanha pelo impeachment e a eleição do Bolsonaro foi uma coisa só. Um voto de censura contra um regime cleptocrático. Nas últimas eleições, chegamos ao segundo turno com a pior dupla possível para o Brasil. Milhões de brasileiros votaram num para evitar o outro. Eu também. A maioria preferiu evitar o PT.

Os sinais emitidos pelo atual presidente durante a campanha não me chocavam. Acredito que as instituições brasileiras são suficientemente sólidas para evitar retrocessos importantes. De fato, o meu descrédito com a gestão anterior era tão intenso, que uma trinca de ministros certos nos ministérios certos seria suficiente para salvar o Brasil. Nesse contexto, engajei-me do lado bolsonarista.

Após um ano de gestão, fiquei decepcionado. Decepcionado, mas não arrependido. Imaginei que a falta de experiência dos governantes pudesse causar um certo atrito no início do novo mandato. Esperava um governo que pouco a pouco engrenasse e colocasse o país nos trilhos do desenvolvimento e crescimento. Tolinho!

A realidade, que todos bem conhecemos, foi um show de horrores. Inexperiência foi o menor dos problemas. Junte-se a ela, a inabilidade política, a incompetência, a escalação de péssimos assessores, a sempre presente fogueira de vaidades, a falta de ética, o esforço para se esconder os crimes do passado, a negação da ciência, etc.

2019 foi um show de gafes, aberrações e intrigas que abalaram quaisquer perspectivas de previsibilidade e seriedade, tão essenciais para um governo supostamente desenvolvimentista. Sempre tive consciência de que as inúmeras atitudes e comportamentos do atual mandatário foram muito além do aceitável. Em nome das promessas de campanha, a gente vai engolindo.

Para os eleitores que optaram pelo Bolsonaro em nome da lisura e da ética, as histórias nada republicanas da ‘famiglia’ são difíceis de aceitar. As evidências das fraudes cometidas em família e os seus vínculos com criminosos e milicianos são repugnantes.

A gente entrou em 2020 com o famoso pibinho. A essa altura do campeonato, eu e os milhões de fãs do Paulo Guedes estávamos cheio de dúvidas. Otimistas como sempre, entretanto, cada vez mais inseguros. 2020 será como 2019? A máquina vai engrenar? Quem sempre sonhou com um Brasil empreendedor e com uma economia mais livre não perde as esperanças.

Aí veio o Corona. Ninguém poderia imaginar o desenrolar da pandemia. Mesmo com as notícias da China, eu consegui fazer duas viagens internacionais até o começo de março sem qualquer preocupação. Quando o sistema de saúde italiano entrou em colapso, o mundo acordou. Ou melhor, desabou.

Sem querer aprofundar no impacto da pandemia atual na sociedade, gostaria de retomar dois aspectos: a queda brutal da economia e a complexidade intrínseca da situação.

A recessão global e suas consequências podem proporcionar tempos difíceis para muitos. Indo direto ao tema do artigo, o principal pilar de sustentação do governo Bolsonaro começou a ruir. Daqui para frente, só teremos pibinhos. Se chegar a 2022, Bolsonaro deixará um legado risível.

Por outro lado, os eleitores sabem apreciar quando um chefe do executivo vira um estadista, guiando a sua nação face as mais duras intempéries. Nesse sentido, a crise, profunda e inédita, é uma oportunidade única de mostrar serviço. Não precisa ser um gênio para entender que todos os países enfrentam o mesmo desafio. Basta ler as notícias para saber quais políticos foram promovidos a estadistas e quais confirmaram a condição de palhaços.

Antes fosse apenas uma questão de palhaçada. Contudo, falamos de genocídio. Enquanto ministros e as esferas estaduais e municipais trabalhavam, o chefe continuava com suas bravatas e factoides. Falsos e irresponsáveis debates contaminaram a nação: lockdown horizontal X vertical, cloroquina, economia X saúde etc. Imperdoável.

Por tudo isso, eu e alguns milhões de brasileiros dizemos: basta! Ter um presidente trapalhão tem sido um complicador. Dentro de uma crise profunda, é um verdadeiro desastre.

Venho do mundo corporativo, onde liderança é um tema de discussão recorrente. Liderar é uma arte em si. Liderar na crise é um desafio extra, não é para qualquer um. O Bolsonaro não tem condições intelectuais e mentais de liderar a nação neste momento. Simples assim.

Enfim, milhões de eleitores toleraram o Presidente por um certo tempo em nome de algumas poucas promessas: gás na economia e luta contra a criminalidade e a corrupção. Tudo foi pelos ares. Só nos resta procurar um novo líder.

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Heloisa Pait
Revista Pasmas

Professora de sociologia, pesquisa o papel dos meios de comunicação na construção da esfera pública. Publicou contos em revistas brasileiras e americanas.