Aquela tarde de domingo

Mauro de Bias
Passageiro Urbano
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2 min readMay 27, 2014

Eu tinha certeza que havia algo diferente naquela tarde de domingo. Não que fosse um dia agitado ou interessante. Era tedioso, como todo domingo de respeito deve ser. No rádio AM do motorista do ônibus era possível ouvir a partida entre Flamengo e Bangu que se desenrolava no Moça Bonita. Talvez aquilo fosse o som mais interessante do meu dia.

Não vi direito o rosto da cobradora. Apenas passei o RioCard na máquina e andei para o fundo do ônibus catando cavaco enquanto o motorista já acelerava. “Calma aí, piloto!”, gritou uma mulher bastante volumosa e de roupas curtas que estava tentando descer. Nem julguei as roupas. Naquele calor, até se ela estivesse nua eu compreenderia.

Naquelas ruas ensolaradas de Deodoro, era claro que os coletivos municipais de ar-condicionado eram apenas uma lenda. “Ar-condicionado é coisa de ônibus da Zona Sul”, pensei, enquanto me sentava no banco alto para tentar receber mais vento.

O coletivo foi enchendo cada vez mais. Antes de Bento Ribeiro havia poucos lugares para sentar naquele 391. “Quintino não vai chegar nunca? Quero logo minha casa”, eu reclamava enquanto tentava enxugar o suor que ia descendo pela testa. Já eram quase 19h, mas o sol estava forte.

Perto da estação de Oswaldo Cruz, subiu uma família muito curiosa. O pai, vestindo um terno quase tão antigo quanto ele próprio, carregava um livro preto bastante desgastado pelo uso. A mãe, acompanhada de filhas gêmeas, vestia uma peça de roupa única fechada no pescoço e nos punhos e com uma saia até os pés. As crianças reproduziam rigorosamente o traje da mãe, inclusive com o cabelo preso em coque na nuca.

“Como elas conseguem se vestir assim nesse calor?”, passava pela minha cabeça.

Uma das meninas parou a menos de um metro de mim, segurou-se nos ferros e começou a encarar fixamente um jovem que estava sentado no banco à minha frente. O jovem, um rapaz magro, de gestos delicados e afeminados, retribuiu o olhar da criança. E ambos trocaram um sorriso. Um sorriso puro.

A mãe então avisou à filha: “Tem lugar aqui.” E pôs a menina sentada no seu colo.

Depois de ver aquele contato, pensei se a pequena mocinha teria a mesma simpatia por aquele rapaz dez, quinze anos depois desse contato tão inocente. E foi então que compreendi que tudo o que o mundo mais precisa é da pureza da resposta das crianças. E nada mais.

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