Primeiro Passo: Superar a Ignorância

Rubens R R Casara
Passagens
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4 min readMar 19, 2017

Qual a importância do ensino em uma sociedade como a nossa? Há como tolerar o “vazio do pensamento” após as experiências desastrosas do fascismo e do nazismo? Como impedir a emergência de novas personalidade autoritárias? O que autoriza qualquer um a falar de qualquer coisa em verdadeira ode à ignorância? Por que tanto medo da filosofia, das ciências sociais, das artes, da psicanálise e do direito crítico? Todas essas questões parecem estar conectadas a um tema: a educação, mais precisamente ao que se fez e se pretende fazer com a educação.

Hoje, já não há mais dúvida de que nem todo modelo de educação contribui à emancipação humana. Ao contrário, escolas de norte a sul equiparam-se aos órgãos de repressão estatal como instituições voltadas à eliminação da alteridade, ao controle social e à manutenção do atual estado das coisas, o que no Brasil significa manter a desigualdade econômica e a tradição autoritária que prefere fazer uso da força em detrimento de buscar o conhecimento. Há projetos educacionais, já denunciava Paulo Freire, que ensinam a não pensar, a não reagir às injustiças, a desprestigiar as artes e a naturalizar as distorções sociais.

Vive-se uma profunda desvalorização do pensamento. Basta abrir o jornal, ligar o aparelho de televisão, isolar-se diante das redes sociais ou prestar atenção na formação intelectual dos ministros do atual governo brasileiro para se ter a certeza de que o conhecimento está em baixa, que a criatividade foi podada, que qualquer perspectiva transformadora foi abandonada. Vive-se a era em que slogans publicitários e o senso comum substituem a análise consistente e a reflexão séria sobre os mais variados fenômenos. Em um mundo em que todos consomem e produzem informação, pessoas ignorantes tornaram-se formadores de opinião e ganham seguidores. Pessoas que se reconhecem na ignorância alheia fazem dessa ignorância um capital. Na “sociedade da opinião”, a doxa parte de pouco ou mesmo de nenhum conhecimento sobre o assunto a que se refere.

A educação, então, acaba reduzida a instrumento de homogeneização das pessoas, que passam a ser formatadas para consumir acriticamente, enquanto aos diferentes, os “alunos falhos”, reserva-se, desde a mais tenra idade, o estigma e a exclusão. Os professores tornam-se meros prestadores de serviço, desaparece a diferença construída pelo conhecimento. A relação “saber-poder” apresenta uma face inédita: a ignorância (o não-saber) torna-se o combustível para uma nova forma de controle dos corpos e das almas (um verdadeiro autocontrole, uma inércia “alegre” e “conformada” construída pelo desconhecimento).

Nas escolas, os alunos são levados a perceber o conhecimento como algo enfadonho, chato e inútil, um problema para o qual a solução mais fácil é desprezá-lo. Nesses espaços, não há, nem pode haver diante das práticas que distanciam o aluno dos conteúdos programáticos, qualquer comprometimento com o conhecimento, a reflexão e a transformação do mundo. Em uma época em que a educação perde dignidade e transforma-se em mera mercadoria, escolas com projetos educacionais inovadores, tanto no Brasil como no exterior, acabam adquiridas pelos detentores do poder econômico e demais defensores de perspectivas reacionárias. Isso aconteceu nos EUA, a partir da ação de membros do Tea Party. Isso acontece no Brasil.

Manter a ignorância, não é de hoje, revela-se um projeto político. A República pressupõe cidadãos esclarecidos, mas reflexões minimamente sofisticadas são apontadas como “elitistas” e desqualificadas pelos detentores do poder econômico, sempre que isso atende a um determinado projeto de exploração da ignorância. Explora-se, como forma de dominação, um ressentimento dos conhecimentos especializados, o que faz com que, cada vez mais, o conhecimento, potencialmente transformados, deixe de circular.

Mudar esse quadro exige atuações nas mais variadas ordens, mas passa necessariamente pela adoção de um modelo crítico de educação. Crítico da sociedade (uma educação que ressignifique o social) e crítico da própria educação (uma educação que, mais do que fornecer respostas, leve a pensar).

Uma perspectiva educacional crítica tem múltiplas faces: produz o desvelamento daquilo que se esconde na sociedade por de trás de uma tranquilidade aparente. Produz dúvidas e reflexões, por isso, no lugar de saciar, produz novas curiosidades. Uma educação crítica foca tanto no processo de conhecer quanto na verdade a ser conhecida e revela que a sociedade pode ser transformada. Assim, afasta-se da tentação totalitária e aponta para as variadas direções do que verdadeiramente importa à vida: a linguagem, a filosofia, a literatura, as artes, o cuidado-de-si, o respeito e o cuidar-do-outro.

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