“Recentemente, as coisas vêm mudando, mas não muito.” Ilustração de Andrea Ucini para o The Guardian

É uma época maravilhosa para se escrever sobre mulheres — então por que ainda somos consideradas segunda categoria?

Este hábito é difícil de perder: mulheres são emotivas; nós insistimos

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Homens aprendem com as mulheres? Muitas vezes. Eles admitem publicamente? Raramente, mesmo hoje. Vamos nos ater à literatura. Não importa o quanto eu tente, não consigo lembrar de escritores que disseram que estavam, de alguma maneira, em débito com o trabalho de uma mulher escritora. Entre os italianos, vêm à minha mente Giuseppe Tomasi di Lampedusa, o autor de O Leopardo, que escreveu que tinha se beneficiada de leituras de Virginia Woolf. Poderia listar uma bela lista de escritores que ou diminuíram colegas mulheres ou atribuíram a elas a capacidade de só escrever histórias triviais e banais — sobre casamento, crianças, relacionamentos; romances baratos e sentimentais.

Recentemente, as coisas vêm mudando, mas não muito. Por exemplo, quando algum renomado escritor diz em privado ou em público que nós mulheres somos boas, gostaria de perguntar a eles: somos tão boas quanto vocês, melhores que vocês, ou boas só na esfera de livros escritos por mulheres? Isto é, nós ultrapassamos o mundo da escrita literária feita por mulheres ao qual estamos confinadas (e não só pelo mercado editorial)? Ou subvertemos a literatura em geral e seus valores?

Em outras palavras, se você é um escritor que me lê e me acha boa, você está me prestando um comprimento generoso como para uma estudante que aprendeu bem a lição? Ou está disposto a admitir que, atualmente, você pode aprender com a escrita feita por mulheres o mesmo que nós aprendemos — e estamos aprendendo, lendo durante séculos — da escrita dos homens?

Aqui, na minha opinião, as coisas se complicam. Uma grande quantidade de homens cultos está disposta a nos exaltar por nossa capacidade de agitar as emoções (e o que uma mulher faz bem, tradicionalmente, se não agitar as emoções e fazer as horas passarem agradavelmente?). Mas estes homens guardam para si a literatura que revoluciona, que se aventura em campos minados, que escava os confrontos políticos ou que mira lutas heroicas com poder. A coragem de ir contra o mundo lutando com palavras e ações, rua a rua, permanece na imaginação de muitas pessoas como território de intelectuais homens. Às mulheres, enquanto isso, ainda são designadas as varandas, de onde ainda é permitido contemplar a vida que passa e descrever isso em trêmulas palavras.

Muitas mulheres que escrevem, em cada partes do mundo, em cada área, o fazem com lucidez, com um olhar impiedoso, com coragem, sem concessão ao sentimentalismo. Uma inteligência feminina generalidade que produz escrita de alta qualidade literária se tornou um manifesto. Mas o hábito é difícil de perder: somos emotivas; nós insistimos. Homens fazem alta literatura e ensinam sem medo, por suas palavras e ações, como todo o mal do mundo deve se render ao bem.

Da versão do inglês de Ann Goldstein: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2018/oct/27/writing-by-women-considered-second-rate-elena-ferrante

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes