Anne, Emily e Charlotte Brontë

As irmãs Brontë: feminismo em pleno século XIX

Laura Ramos recusa, em Infernales. La hermandad Brontë (Taurus), a Emily, Charlotte e Anne a imagem de mulheres ignorantes para aproximá-las do que foram de verdade: pessoas cultas, de caráter e as melhores romancistas de sua época

Mariana Almeida
Published in
4 min readNov 11, 2019

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Na imagem acima estão retratadas Anne, Emily y Charlotte Brontë, três irmãs que fizerem história através de sua escrita e engenho em pleno século XIX. Entre elas, se pode distinguir a silhueta de um homem, Branwell, único irmão homem e que pintou a tela. O fato de que sua figura está tapada por uma espécie de coluna não é um acaso, e falarei disso adiante, mas é necessário ficar claro que tanto elas como ele foram autênticos gênios, cujo talento não passou despercebido naquela época. Os quatro irmãos nasceram em Harworth, uma cidade pequena e perdida da Inglaterra, cenário de um dos sucessos literários mais inóspitos e ao mesmo tempo extraordinários da história: as três irmãs, pobres, com pouca saudade e atrativo físico, se converteram em romancistas de fama internacional. Escreviam desde pequenas e criaram poemas, contos e peças de teatro ambientados em mundos imaginários tão impressionantes que fizeram que os leitores ficassem impregnados. Porém, aos olhos do público, eram homens que escreviam os best-sellers da época: por isso, assinaram sob o pseudônimo de irmãos Bell.

“Um célebre poeta da época rechaçou um poema de Charlotte dizendo que, embora possuísse o dom da poesia, ela era uma mulher”, explica Laura Ramos, escritora e jornalista que acaba de publicar Infernales. La hermandad Brontë (Taurus). Em sua obra, a autora retrata a história dessas três mulheres que tiveram que se fazer passar por homens para que valorizassem o trabalho delas e que, graças a seu esforço e talento, terminaram sendo “as três romancistas mais famosas e lidas da Inglaterra”, continua, “liam entre elas as críticas de seus livros meio rindo-se, dizendo que seus personagens eram abomináveis”.

Tudo isso, sem esquecer seu irmão Branwell: “Era um menino genial, o mais entusiasta dos irmãos”, explica Ramos, acrescentando que, com respeito ao retrato que fez junto de suas irmãs, “se arrependeu e pinto por cima uma coluna poucos dias depois de pintar o reatro porque, segundo um texto que Charlotte escreveu sobre ele, Branwell desprezava suas irmãs”. A irmandade Brontë está longe de ser um grupo interessante em um povoado perdido da Inglaterra. Ao contrário: “Eram uma confraria de irmãos que escrevia sagas como Game of Thrones, maravilhosas, cheias de imaginação”, explica a autora. Tudo isso está presente em seu livro, e, além disso, uma outra faceta que as torna ainda mais pecualiares: “Eram bastante pornográficas, luxuriosas, tratavam de incestos, homossexualidade, mundo inferior, bem como falavam de nobreza, morte e crueldade”. Em outras palavras: viveram no século XIX e estavam muito à frente de sua época.

Charlotte Brontë nasceu em 1816 e cem anos depois se tornaram públicas “algumas cartas de amor dementes, desesperadas, que escreveu a ser professor de retórica de Bruxelas”, explica Ramos. Com isso, a autora coloca em questão que “um século depois de seu nascimento, se viu que era não era a virgem do pântano que se acreditava”. De outro lado, no final do século XX “se descobriram escritos de Emily Brontë, que traduzia do latim Virgílio e Horácio, prova mais do que suficiente para que não se tratava de uma moça ignorante do campo que se acreditava”. Além disso, Ramos se refere a Anne como uma protofeminista, pois em seu livro A senhora de Wildfell Hall, a protagonista era uma pessoa totalmente independente e autossuficiente, perfil que não correspondem à imagem de mulher que imperava no século XIX.

Mulheres de gênio

A vida e caráter das irmãs Brontë foram um mistério que, graças a livros e trabalhos como o de Ramos, se podem decifrar. Essas mulheres não eram ignorantes do povoado que só sabiam costurar e escrever um conto. Ao contrário, eram diretas, de gênio, a quem não importava criticar, emocionar e também escandalizar com temas mórbidos e dignos de censura. Um grande exemplo disso foi, em concreto, Emily, “cuja sexualidade é um mistério, já que há muitos indícios de que se apaixonou por uma garota do internato que viveu em Bruxelas”. Mas isso não deveria ser ressaltado tanto quanto sua personalidade demoníaca que se refletiu em seu grande romance Morro dos ventos uivantes, que assinou inicialmente como Ellis Bell. “Emily se enquadra mais com a crueldade de seu livro que com a ideia que se tinha de que as irmãs eram três virgenzinhas ignorantes do charco”, explica Ramos, e sublinha que Emily “era cultíssima e tão cruel como Heathcliff, o protagonista de sua obra; uma vez, se irritou tanto com seu cachorro por ter subido em seu leito que, debaixo de uma escada da casa, castigou-o com os punhos com tal fúria que tirou sangue dele”.

Porém, tudo isso tardou em ser conhecido, pelo que Ramos entende como “um ato de amor”. Quando morreram suas irmãs, Charlotte quis restituir o nome de sua família, reeditando livros e escrevendo prólogos em que retratava a história oficial”, explica a jornalista.

Com isso, e diante do grande escândalo provocado pelos livros escritos por elas que tratavam de temas, para a época, tabus, “Charlotte difundiu a ideia de que eram mulheres inocentes, inocentes que não sabiam do que falavam em suas obras”. Se poderia dizer que, mesmo que não fosse a história real, fez para limpar o nome da família. Porém, temos que agradecer que a verdade apareceu e que essas mulheres sejam conhecidas pelo que realmente foram: inteligentes, cultas e feministas, antes mesmo da existência do termo.

Traduzido do espanhol: larazon.es/cultura/las-hermanas-bronte-feminismo-en-pleno-siglo-xix-AG25543535?utm_source=facebook&utm_medium=organic&utm_campaign=lrzn_org_Mo_22_45&fbclid=IwAR1GhVpOQFAo8–0AbbxzMzEIh8L-Ss2o2HOZyxE3QriFzF5bWcynAUeBDK4

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Mariana Almeida

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes