Como Virginia Woolf usou uma poeta ficcional para construir um caso consistente pela igualdade

Woolf inventou a irmã de Shakespeare, Judith, para construir seu argumento feminista em Um teto todo seu

Mariana Almeida
Passaparola
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4 min readOct 3, 2019

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Por Tara Wanda Merrigan

Virginia Woolf era pouco convencional em sua defesa da causa feminista. Ela acreditava na igualdade, mas como outros escritores modernistas do início do século XX, via a si mesma como uma outsider e uma observadora. Essa identidade fez com que sua participação nos grupos políticos femininos fosse preocupante — como a estudiosa Clara Jones demonstrou em Virginia Woolf: Ambivalent Activist, Woolf apoiou e ajudou projetos de organizações feministas, mas voltava para a casa e atacava outras ativistas no seu diário. É essa empática, porém cética relação com o ativismo feminista, que faz com que o argumento pró-igualdade de Woolf sobre a escassez de escritoras mulheres seja tão interessante.

Uma mulher ficcionista escrevendo em uma época em que a escrita de mulheres tinha ainda menos prestígio do que agora, Woolf queria saber por que as escritoras eram tão poucas e inferiores. Para responder a essa questão — o “enigma perene a razão por que nenhuma mulher escreveu uma só palavra daquela extraordinária literatura, quando um em cada dois homens, parece, era dotado para canção ou o soneto”, Wolf escreve — a escritora se volta à investigação da sociedade em que as mulheres viviam, mais do que propriamente a vida pessoal das mulheres. E é essa investigação que eventualmente vai virar o envolvente ensaio Um teto todo seu.

No livro, Woolf procura na autoritária História da Inglaterra, de Trevelyan, por informação. Ela encontra “mulheres, posição de” no sumário da obra e passa para a descrição da vida no século XV quando era normal para “a filha que se recusava a casar com o homem de escolha de sua família ser trancada, espancada e jogada em um quarto, sem que a opinião pública ficasse chocada.” Uma leitora voraz, Woolf relaciona esse fato ao seu próprio conhecimento da história literária, na qual mulheres estavam presentes nas peças de Shakespeare bem como em grandes romances russos e franceses, mas encontra um paradoxo perturbador: ela permeia a poesia de ponta a ponta; ela está sempre ausente da história. Domina as vidas de reis e conquistadores na ficção; na verdade, ela foi a escrava de cada garoto cujos pais forçaram a botar um anel no dedo. Algumas das mais inspiradoras palavras, dos mais profundos pensamentos na literatura saíram de seus lábios; na vida real ela mal podia ler, mal podia escrever e era propriedade do marido.

O que Woolf faz em seguida é bem-conhecido, mas tendo estudado história e literatura feminista por cerca de uma década, acho que seu significado e potencial é subestimado. Para teorizar sobre uma possível razão do porquê não há grandes escritoras mulheres, diz a seus leitores que, para fins de discurso, ela vai inventar uma mulher da era elizabetana, nada menos do que irmã de Shakespeare, cujo “gênio era para a ficção e sua cobiça era alimentar abundantemente histórias sobre as vidas de homens e mulheres e o estudo de seus costumes.”

Essa mulher, a quem Woolf nomeia de Judith (embora a irmã de Shakespeare se chamasse Joan), luta contra a opressão social contra seu gênero. Judith, escritora aspirante, não tem sucesso na carreira. Em vez disso, se apaixona por um homem, um ator-empresário, e engravida dessa relação. Não vendo nenhuma outra escolha dentro dessa sociedade, Judith se suicida. Ela “jaz enterrada em alguma encruzilhada em que agora os ônibus param,” de acordo com Woolf, que termina sua história sobre Judith com uma nota comovente. Depois, há uma grande quantidade de análise sobre como uma “mulher, naquela época, que nasceu com o dom da poesia no século XVI, era infeliz, uma mulher contra si mesma.” E então há a famosa conclusão: a mulher que quer escrever precisa ter um teto seu e ganhar 500 pounds por ano.

O uso que Woolf faz da ficção para criar um argumento sobre as injustiças causadas pela sociedade patriarcal é singular. É diferente da maneira comum usada por defensores para falar sobre igualdade de gênero citando fatos e estatísticas que apoiam suas observações e campanhas. Também é diferente de qualquer outra abordagem ativista que suplica decência e consciência moral da sua audiência.

E usando ficção, a abordagem de Woolf apela para a emoção dos leitores e para suas habilidades lógicas e reflexão ética. Talvez porque Woolf estivesse no auge de sua carreira como romancista — Mrs. Dalloway e Rumo ao farol tinham sido publicado alguns anos antes desse ensaio — a escritora soubesse que a empatia com a ficção pudesse estar já engendrada em seu público. Lendo o triste caso de Judith Shakespeare, tendo ela existido ou não, ele afeta nossa experiência. É difícil não sentir a injustiça do patriarcado sob o indivíduo feminino quando Woolf reconta o fim abrupto da vida de Judith e seu modesto lugar de descanso perto do ponto de ônibus.

Uma ficção bem construída tem algumas lacunas. Não é o tipo de argumento que pode ser usado para promover a adoção de uma nova política ou uma legislação nova e mais equitativa. Mas como a pesquisa tem demonstrado, a ficção eleva nossa capacidade de sentir empatia. E a história de Judith Shakespeare dá asas à imaginação de um jeito que os fatos não são capazes de responder à questão do porquê de ter tão poucas grandes escritoras. A história dela permite que Woolf evite a discussão dos termos opostos e dos méritos de homens vs. méritos de mulheres. Judith atinge o maior objetivo, que é motivar os leitores a concordarem com isso, como diz Woolf, mulheres são um “país obscuro” e a sociedade não sabe do que são capazes.

Traduzido do inglês: https://medium.com/poetry-politics/how-virginia-woolf-used-fiction-to-make-a-persuasive-case-for-equality-f8138379fd66

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes