Elena Ferrante: “Existe uma fórmula para um relacionamento duradouro?”

Uma amiga, casada há 48 anos, diz que sim

Mariana Almeida
Passaparola
2 min readJan 31, 2019

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Os relacionamentos de casais são a efetiva personificação da precariedade de nossas vidas. Se encontramos alguém que não vemos há meses, hesitamos em dizer: Dê um oi a Franco por mim. É melhor descobrir antes, por meio de perguntas cautelosas, se o relacionamento com Franco ainda continua, ou se foi substituído por um Gianni ou Giorgio, porque mesmo os mais permanentes relacionamentos podem acabar subitamente, e ninguém — hoje mais do que no passado — sabe a fórmula para garantir que um casamento dure.

Uma velha amiga, que está casada há exatos 48 anos com um bom homem, diz que na verdade há uma fórmula: vocês só têm que amar um ao outro. O problema, acrescenta em um tom divertido, é que amar um ao outro pela vida inteira é realmente trabalhoso.

Primeiro, vocês precisam sempre serem atrativos um para o outro, na cama ou onde seja, mesmo que o corpo esteja mudando constantemente, mesmo que o que primeiro te encantou tenha ido embora. Segundo, você precisa gostar não só das virtudes do seu companheiro (fácil demais) mas também dos vícios, especialmente aqueles que, no começo, estavam bem-escondidos. Terceiro, você precisa demonstrar constantemente que tem um grande respeito por ele, mesmo quando está claro que você cometeu um erro e que ele não merece seu respeito, porque ele é apenas um idiota. Quarto, você precisa virar a cara quando sua fidelidade é ocasionalmente paga com traição, e, nesse meio tempo, esperar que ao menos ser traída com discrição, o que você fará logo que perceber que ser fiel só te trouxe humilhação. Quinto, você precisa reprimir o desejo de acabar com tudo e partir, persuadir-se que as crianças precisam de um pai, mesmo que ele seja terrível, que envelhecer sozinho é pior do que acompanhado, e que ser adulto é aceitar a vida como ela é — ou seja, repugnante. Sexto, você deve acreditar, finalmente, que amar — amar com os pés no chão, não como você imaginava ser quando criança — é um malabarismo, um sacrifício permanente, engolir elegantemente um remédio amargo.

Então, minha amiga diz, rindo, um relacionamento pode durar uma vida. Eu perguntei a ela: seu casamento já dura quase 50 anos porque você e seu marido vivem assim? Ela respondeu, irritada: o que você quer dizer, nós tivemos sorte, uma ligação forte, amamos um ao outro profundamente. Certamente há casais que são ao mesmo tempo felizes e estáveis, e seu casamento era deste tipo — não era para ser discutido.

Então não discuti mais. Voltamos a falar divertidamente sobre casais, traições, sexo casual. As pessoas sempre fazem isso, mesmo quando sabemos que estão falando de tragédias comparadas a uma guerra nuclear. Um sorriso leve é útil. É uma rota de fuga quando, por alguns segundos, nas histórias dos outros, percebemos, em um relance doloroso, nossas próprias histórias.

(Elena Ferrante para o The Guardian. Traduzido do inglês, da versão de Ann Goldstein)

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes