Andrea Uccini

Elena Ferrante: “Faço um esforço para nunca exagerar com um ponto de exclamação”

Mariana Almeida
Passaparola
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3 min readMar 31, 2018

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De todos os sinais de pontuação, é desse que eu gosto menos. Ele sugere um comando aos outros, um obelisco pretencioso, uma ostentação fálica

Eu tento nunca levantar minha voz. Entusiasmo, raiva, mesmo dor, eu tento expressá-las com moderação, inclinando-me à autoironia. E admiro aquele que mantém um comportamento calmo durante uma discussão, que tentam dar pistas cautelosas de que devemos diminuir nosso tom de voz, que respondem à questões loucas — “É verdade que isso aconteceu assim? Foi mesmo assim?” — simplesmente com um sim ou não, sem pontos de exclamação.

Isso acontece principalmente porque tenho medo dos excessos — meus e dos outros. Às vezes, pessoas zombam de mim. Elas dizem: “Você quer um mundo sem explosões de alegria, sofrimento, raiva, ódio?” Sim, é bem isso que quero, respondo. Eu gostaria que, no planeta inteiro, não houvesse mais nenhuma razão para gritar, especialmente de dor. Gosto dos tons baixos, entusiasmo polido, reclamações corteses.

Mas como o mundo não está indo nessa direção, faço um esforço, ao menos no universo artificial criado pela escrita, de nunca exagerar com um ponto de exclamação. De todos os sinais de pontuação, é desse que eu gosto menos. Ele sugere um comando aos outros, um obelisco pretencioso, uma ostentação fálica. Uma exclamação deveria ser facilmente compreendida na leitura; não há necessidade em insistir nesse sinal de pontuação no final da frase. Mas tenho que dizer que isso não é simples em nossos dias.

Escritores esbanjam pontos de exclamação. Em mensagens de texto, no whatsapp, em e-mails, eu contei mais de cinco, um atrás do outro. E o quanto mobilizam exclamações inovadores falastrões da comunicação política, os convencidos no poder, jovens e velhos, que tweetam sem parar todos os dias. Às vezes eu penso que pontos de exclamação são um sinal não de exuberância emocional, mas de aridez, a falta de confiança na comunicação escrita.

Eu tento não lançar mão de pontos de exclamação nos meus livros, mas descobri em algumas de suas traduções uma inesperada profusão deles, como se o tradutor tivesse encontrado minha página sentimentalmente exposta e tivesse se devotado à tarefa de reflorestá-la.

É provável que minhas sentenças soem isoladas; eu não descarto essa hipótese. E é provável que nas passagens onde o tom, por alguma razão, é apaixonado, o leitor se sinta mais feliz se ele chegar ao fim da frase e encontrar o sinal que o autorize a ser apaixonado. Mas eu ainda penso que “Eu te odeio” tem um poder, uma honestidade emocional que “Eu te odeio!!!” não tem.

Ao menos na escrita nós deveríamos evitar agir como os líderes fanáticos mundiais que ameaçam, negociam, fazem acordos, e então exultam sua vitória, fortificando seus discursos com o contorno de um míssil nuclear no fim de cada sentença desprezível.

Traduzido do inglês, da versão de Ann Goldstein: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2018/mar/31/elena-ferrante-exclamation-mark

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes