Elena Ferrante: “Mesmo quando uma conversa impõe uma elipse, eu a evito”

Mariana Almeida
Passaparola
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3 min readAug 3, 2018

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Parei de usar elipses quando me convenci que nenhum discurso deve ser suspenso

Algumas observações cautelosas sobre elipses. Elas são agradáveis. São como pedras em que pisamos, daquele tipo que ficam em cima da água e são um prazer arriscado, porque pulamos sobre elas quando queremos cruzar um lago sem nos molhar. Hoje, especialmente em e-mails e mensagens, elas têm tal poder de sugestão que as distribuímos aos punhados. Os canônicos três pontos não são mais suficientes; colocamos quatro, cinco, seis deles. “Estou aqui… Estou angustiado…. Me pergunto onde você está….. Estou pensando em você…… Gostaria de te ver de novo, mas…….”

Elas são muito comunicativas e indicam muitas coisas: ansiedade, constrangimento, timidez, indecisão, a maldade de dizer e não dizer, o momento em que estamos prestes a exagerar e depois desistimos, ou damos uma pausa.

Eu as usava livremente; agora não faço mais isso, de forma alguma. Ainda gosto delas: na escrita de outras pessoas, isso não me incomoda, mesmo quando, em vez dos três pontos, há dez. Mas em um certo momento, meus olhos começaram a correr por esses pontos, se movendo para agarrar as palavras o mais rápido possível. E na minha própria escrita, comecei a sentir que elas eram flertes, como uma mulher piscando lentamente os olhos, a boca levemente aberta em falsa imaginação. Muitas piscadelas graciosas interrompidas, em resumo.

Parei de usar as elipses definitivamente quando, como resultado de minha experiência pessoal, me convenci que nenhum discurso, uma vez que iniciado, jamais deveria ser suspenso. Estou falando da comunicação oral: se você assume a responsabilidade de começar uma sentença, você deve levá-la a cabo — mesmo se estiver sendo silenciado, insultado, e mesmo que tenha se arrependido de começar a falar, e esteja esmagado, tenha perdido confiança, e as palavras não mais pertençam a você.

Minha decisão não teve nada a ver com a escrita, e nem mesmo com as elipses; teve a ver com a ideia de suspensão, com cada ideia de interrupção. Algumas vezes ficamos silenciosos para manter a paz, outras vezes por interesse próprio, sabendo que não deveríamos falar ou tudo estaria arruinado. Mas cada vez mais permanecemos silenciosos por medo, por conivência. O silêncio pode ser criticado, mas tem a virtude de ser uma escolha clara. É quando decidimos rompê-lo, falar, que temos de ir até o fim sem fugir, sem a conveniência das elipses.

Uma velha inclinação pelo esmorecimento mudou com os anos para uma aversão à enrolação, ao sinal secreto. Se você precisa falar, fale — digo a mim mesma — e vá até o fim. Mesmo quando um diálogo impõe uma elipse — nos romances, eles saem de controle — eu faço de tudo para evitá-la. Se não posso, prefiro reduzi-las de três para uma, em uma abrupta interrupção — então em vez de “Eu gostaria de te ver de novo, mas…”, prefiro “Eu gostaria de te ver de novo porém”. Você precisa pagar o preço em uma sentença cortada, reconhecer sua feiúra, e resolvê-la, ao menos quando falamos de palavras, chegando a um ponto.

Traduzido da versão em inglês, por Ann Goldstein: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2018/jun/30/elena-ferrante-dialogue-imposes-an-ellipsis

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes