Andrea Uccini

Elena Ferrante: meus primeiros anos escolares foram cheios de maravilhas

Mariana Almeida
Passaparola
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2 min readJun 11, 2018

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Esse sentimento vai voltar?

De todos os anos que passei na escola e na universidade, lembro com prazer só daqueles do primário. Eu não digo que o resto de minha instrução, até a graduação, era uma perda de tempo: melhor, eu gostaria de enfatizar como eu fui feliz descobrindo latim e grego, filosofia, matemática, química, física, geografia e, especialmente, astronomia. A escola e, depois, a universidade, tiveram precisamente esta função: me introduzir em ramos de conhecimento nos quais eu era completamente ignorante. Me diziam: há uma matéria chamada latim, ou grego, ou filosofia, e vocês vão estudá-las por certo número de anos — cinco, três ou mesmo um.

Mas nunca pareceu que saber latim ou grego tivesse algum valor em si; significava, por exemplo, ser capaz de ler as obras de Eurípedes ou Sêneca na linguagem em que foram escritos. Eu as considerava puramente matérias para treino acadêmico; estudá-las era útil para conseguir um diploma ou para um possível emprego. Não era aprendizado, mas um exercício contínuo e obediente que me levou a uma posição superior na hierarquia da inteligência.

Eu era normalmente uma das melhores, e ainda assim as ideias que memorizava para brilhar se enfraqueceram todas. Eu esqueci tudo, e não fico feliz: quanto esforço desperdiçado. Não só nada restou na memória — eu tenho a impressão que estudei muito sem aprender nada, que fiz um esforço enorme sem um momento de fruição.

Mas meus anos no primário, por outro lado, deixaram uma lembrança clara das maravilhas em que as horas passadas na carteira se transformavam em habilidades precisas — ler, escrever, fazer contas — mas também em numerosos grãos de informações adicionais. Eu não seria capaz de descrever hoje, em detalhes, como aquele sentimento de orgulho se formou; ali também a memória esmaeceu, e eu precisei inventor histórias convincentes, porque não conseguia lembrar de nada em particular.

Mas a maravilha — a maravilha de saber ler, de transformar sinais em coisas, paisagens, pessoas, sentimento, vozes, ou vice-versa, como reduzir toda a realidade, e toda fantasia, plano, em dignos do alfabeto, em numerais — a maravilha permaneceu vívida e duradoura. Nos anos que se seguiram, eu lembro do trabalho duro, da ansiedade de fazer bem-feito, de algumas humilhações, de algumas falhas grosseiras, um número de sucessos — mas nunca daquele satisfatório sentimento de maravilha.

Para minha surpresa, eu subitamente comecei a aprender novamente depois que me formei. Isso não acontece mais hoje em dia, mas espero que no tempo livre da velhice, a maravilha retorne.

Traduzido da versão em inglês feita por Ann Goldstein: https://www.theguardian.com/books/2018/jun/02/elena-ferrante-primary-school-education

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes