Mariana Almeida
Passaparola
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3 min readFeb 25, 2018

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Elena Ferrante: “Sim, eu sou italiana – mas não sou barulhenta, não gesticulo e meu estômago digere mal pizza”

Ser italiana, para mim, começa e termina no fato que eu falo e escrevo em língua italiana

Amo meu país, mas não tenho nenhum espírito patriótico nem orgulho nacionalista. E mais, meu estômago digere mal pizza, como pouco espaguete, não falo alto, não gesticulo, odeio todo tipo de máfia, não exclamo “mamma mia!”. Características nacionais são simplificações que deveriam ser contestadas. Ser italiana, para mim, começa e termino no fato que eu falo e escrevo em língua italiana.

Posto assim, não parece muita coisa, mas é muito. A língua é o compêndio da história, geografia, vida material e espiritual, vícios e virtudes, não só daqueles que a falam, mas daqueles que falavam e continuam falando através dos séculos. As palavras, a gramática, a sintaxe são o cinzel que molda nosso pensamento. Sem falar da nossa tradução literária, uma refinaria extraordinária da experiência crua que está ativa por séculos e séculos, uma reserva da inteligência e de técnicas de expressão; foi a tradição que me formou, e pela qual eu tenho orgulho de ter sido construída.

Quando eu digo que sou italiana porque escrevo em italiano, eu quero dizer que sou totalmente italiana – mas italiana só no sentido que eu estou disposta a atribuir a mim mesma uma nacionalidade. Não gosto de outros jeitos; eles me assustam, especialmente quando se transformam em nacionalismo, chauvinismo, imperialismo, e barreiras linguísticas repressivas criadas para se isolar, tanto cultivando um purismo sem motivo e impossível, quanto impondo a língua por meio de armas e de um poder econômico esmagador. Aconteceu, acontece e vai acontecer, e é um mal que tende a apagar as diferenças e, por causa disso, empobrecer todos nós.

Eu prefiro nacionalismo linguístico como ponto de partida para o diálogo, um esforço para ultrapassar limites, olhar além da fronteira – além de todas as fronteiras, especialmente as de gênero.

Desse modo, meus únicos heróis são tradutores (eu amo especialmente aqueles que se especializam na arte de tradução simultânea). Os amo particularmente quando eles são também leitores apaixonados e propõem traduções eles mesmos. Graças a eles, a italianidade viaja pelo mundo, se enriquecendo, e o mundo, com suas muitas línguas, passa pela italianidade e a modifica.

Tradutores transportam nações dentro de nações; eles são os primeiros a se dar conta da distância entre os vários modos de sentir. Mesmo seus erros são evidências de uma força positiva.

Tradução é nossa salvação: nos transporta para fora do poço no qual, inteiramente por acaso, nós nascemos.

Eu sou, então por isso, italiana, completamente e com orgulho.

Mas se eu pudesse, eu mergulharia em todas as línguas e seria perpassada por todas elas. Mesmo o terrível Google Traslate me consola. Nós podemos ser muito mais do que aquilo que, por acaso, nós somos.

Do inglês: https://amp.theguardian.com/lifeandstyle/2018/feb/24/elena-ferrante-on-italian-language-identity

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes