Francesca Woodman

Pulsão de criação

Mariana Almeida
Passaparola
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3 min readMar 9, 2020

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Sobre o #8M: o silêncio e a reflexão

Me coloco na categorias das que, apesar das comemorações e manifestações do 8M, preferem guardar um silêncio reflexivo sobre a data. Para mim, neste ano, mais do que participar física ou virtualmente delas, dei espaço a um ócio improdutivo que, sim, foi motivado pela exposição diária aos ataques aos direitos das mulheres e à destruição progressiva de sua segurança física e mental.

Preferi, por isso, voltar às palavras que me são caras e refletir sobre que tipos de estratégias podemos recuperar para lidar com a angústia dos dias. Com a consciência de que um amontoado de palavras pode não fazer nenhum sentido ou ajudar efetivamente em nenhuma causa, estou com aqueles que imaginam que um mundo sem elas pode ser ainda pior; e que a fabulação, inimiga da pulverização da realidade, é, sim, importante para nós tanto quanto outras táticas.

O texto que reli, ou o trecho que escolhi, é de 1981, escrito pela psicóloga feminista francesa Luce Irigaray e presente no livro Le corps-à-corps avec la mère. Diz ele que:

Il importe aussi que nous découvrions et affirmions que nous sommes toujours mères dès lors que nous sommes femmes. Nous mettons au
monde autre chose que des enfants, nous procréons autre chose que des
enfants: de l’amour, du désir, du langage, de l’art, du social, du politique, du
religieux, etc. Mais cette création, cette procréation, nous a séculairement été
interdite et il faut que nous réapproprions cette dimension maternelle qui nous appartient, en tant que femmes. (IRIGARAY, 1981, pp. 27–28)

Em tradução livre:

É importante igualmente que possamos descobrir e afirmar que somos mães desde o momento em que somos mulheres. Colocamos no mundo outras coisas além de crianças, procriamos outras coisas além de crianças: o amor, o desejo, a linguagem, a arte, a sociedade, a política, a religião etc. Mas essa criação, essa procriação, nos foi, durante séculos, interditada e é preciso que nos reapropriemos dessa dimensão maternal que nos pertence, como mulheres. (IRIGARAY, 1981, pp. 27–28)

A dimensão maternal, apagada por discursos misóginos e alienada de sua pulsão, nos impele a rejeitar as possibilidades do sujeito feminino como sujeito materno. O que gosto de destacar nesse trecho é que gestar não é somente participar da vida e da criação de uma nova pessoa, mas de criar outras coisas além de filhos. A beleza do trecho está em recuperar a participação das mulheres em diversos níveis da vida social.

É na compreensão de nossas possibilidades que poderemos respirar nesse mar de retrocessos e ganhar fôlego para produzir. E não falo só de produzir como máquina trabalhadora, mas de produzir como forma de nutrir nossos afetos. É necessário recuperar também a ternura que perdemos. E recuperar também quer dizer tomar um tempo para o silêncio, para a reflexão e para a observação. Retornar à criação de si e do mundo; retornar à criação artística, à criação de laços com os outros e à procriação de novas maneiras de agir dentro das próprias possibilidades.

Feliz 8M atrasado.

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes