Vittoria Colonna, marquesa de Pescara — três sonetos

Mariana Almeida
Passaparola
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5 min readMar 12, 2018
1522, Jules Joseph Lefebvre

Mulher sensível, fascinante e culta, tomou o título de marquesa por conta de seu matrimônio com Francesco Ferrante D’Avalos, marquês de Pescara.

Nascida em 1492, pertenceu a uma das mais antigas famílias principescas da Itália. Seus pais a mandaram aos estudos das Letras e incentivaram a virtude moral. Quando sua família se transfere para Napoli e passam a estreitar relações com a família D’Avalos, ficam um tempo vivendo no Castelo de Ischia. Este lugar, por sua vez, era centro cultural da corte aragonesa, e Vittoria convive com esse ambiente cortês e efervescente.

Se casa com Francesco com pouco mais de 16 anos e entre os dois nasce um amor fortíssimo. Como capitão, infelizmente, Francesco deixa sua jovem esposa e parte, sob orden de seu sogro, para defender a bandeira espanhola na guerra contra Ferdinando, o rei católica da França.

Vittoria viveu no Castelo de Ischia de 1509 a 1536 e estreitou amizade com muitas pessoas. Resistou e conquistou, com Costanza d’Avalos, o castelo de Ischia e o transformou em uma corte refinada, frequentada pelos maiores engenhos do tempo e numerosos acadêmicos.

Sua produção literária pode ser dividida em três períodos: no primeiro, prevale o tema amoroso, no segundo, o espiritual, e no terceiro, o religioso. Nos anos de viuvez, compõe rimas em honra ao marido, para demonstrar sua constância e fidelidade. A referência ao belo sol é uma referência a Francesco, mas também ao desejo de santidade que acompanhará Vittoria.

Em 1531 se transfere a Arpino e depois, a Roma, fugindo da pesta. Estreita amizade com o cardeal Bembo. Ali, em 1538, conhece Michelangelo, e nasce uma amizade profunda, uma ligação forte, de ideais comuns e fé. Em suas cartas, poeta e artista se unem em uma troca de ideias e interesses poéticos comuns, que podem ser observados nos célebres desenhos de Michelangelo “La crocifissione con il Cristo Vivo”, “La pietà dell’Isabella, “Cristo e la samaritana” e “Il crocifissio tra due angeli piangenti”.

Buonarroti compreende plenamente a figura e a personalidade de Vittoria, perfeita expressão do século, conjugação entre cristianismo e platonismo, autora de versos de grande força e persuasão que suscitaram a admiração de seus contemporâneo. Na convalescença de sua amiga, e depois em sua morte, velada pelo artista, escreve: “A morte me tirou um grande amigo”. Depois de longa doença, morre em 25 de fevereiro de 1547, em Roma.

Permanece na história, sobretudo, por causa de sua obra poética. Financia e protege um grande número de artistas, estudiosos, humanistas e poetas, entre os quais Iacopo Sanazzaro e Michelangelo. Sua virtude e beleza foram inspirações para Ariosto, que no Orlando Furioso a descreve como “nata fra le vittorie” e a compara às mulheres mais célebres da mitologia e da antiguidade.

Figura central da cultura do ‘500 italiano, entrou nos debates culturais e teológicos da época porque tomava partido pela abertura e diálogo das novas teorias luteranas em um momento complexo para a Igreja Católica, por conta da reforma e Contrarreforma. A inquisição, naquele momento, estava recolhendo provas contra ela, por conta de suas posições e ideias avançadas, e iria acusá-la de heresia. Estava para ser submetida a um processo, não fosse sua morte. E por causa disso, suspeita-se que o processo seria a origem do desaparecimento de seus restos mortais, cuja localização permanece um mistério.

Traduzido e adaptado de: http://www.pescaranews.net/focus/personaggi/6230/la-storia-di-vittoria-colonna-marchesa-di-pescara

Soneto XLIII

Quando já cansado meu doce pensamento

De seu feliz curso chega à margem,

Demonstra o sono, pois, a imagem viva,

Com outro engano mais fiel ao verdadeiro.

Qual faz com os sonhos branco o dia negro,

Este de obscuridade a noite priva,

E se já abrir os olhos me nutria,

Fechá-los agora é a razão de eu não morrer.

E se com o tempo o grande mártir se avança,

Mais permanente sempre na memória se deposita

Com sono e com pensamento a alma semelhante.

E o próprio ardor renova a misericórdia:

Que se fugiram o prazer a esperança,

Com maior força agora se armou a fé.

Soneto XLV

Mote.

Dor pela morte do esposo e dos mais ilustres familiares.

Se meu belo sol e as outras claras estrelas,

Que o nativo ninho meu, alma de meu país

Adornavam, que de antigas empresas

As modernas obras suas não foram menos belas,

Mostrasse aqui como há algum tempo aquelas

Vagas luzes de honra, de glória iluminadas,

Eu veria novo céu vindo a mim cortês,

E naquele outro perdidos os ímpios e rancorosos.

E com seu rico estame, avarenta parca,

Que antes do tempo caiu, estavam presas

As minhas esperanças e de mil outros juntas!

Também ao desejo de levantar-me em voo, descarregada

Do peso que agora tenho, caras almas soltas,

Vêem-me todo o tempo de lá de cima, mais fiel esperança.

Soneto LI

No fiel peito uma outra primavera,

De vagas flores e verdes frondes adorna,

Produz o grande sol que sempre renova

Dentro do meu coração a quarta[1] espera.

É sua luz de todo o tempo inteira:

Não se esconde a noite ou o dia retorna;

Mas nessa e naquela hospedagem sempre repousa

Aqui com belos raios, lá com forma verdadeira.

São as suaves flores os outros pensamentos,

Que perfumam sempre para aquela alma iluminada

Que as cria, as nutre, desabrocha e sustenta.

As frondes verdes faz a doce espécie

Que ele do céu me manda, e quer que eu espere

Para ser com ele bendita onde ele reluz.

[1] A quarta espera corresponde à viuvez.

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Mariana Almeida
Passaparola

Editora de textos, estudante de literatura & outras artes