8 perguntas que sempre me fazem sobre viajar sozinha

Compartilhando aprendizados das minhas jornadas em carreira solo

Juliana Ferrer
Revista Passaporte
9 min readApr 19, 2018

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Melhor ponto de ônibus do Piauí. 2016. Barra Grande.

Confissão: lá pelos idos de 2007 escolhi a graduação de Turismo por ver o curso como uma porta para o início de muitas viagens. Lembro bem quando stalkeava veteranos do curso no orkut e via fotos deles em viagens ~~técnicas~~ pela Ilha do Mel, Gramado, Minas Gerais e outros destinos nacionais.

Olhando para trás — com mais maturidade e alguns fios brancos na cabeça — e vejo que minha motivação não era só “viajar”. Era a possibilidade de ter uma “galera” que me acompanhasse e medo de estar sozinha na empreitada de explorar o mundo.

Causa raiz deste medo? A possibilidade de me sequestrarem no caminho e venderem meus rins? Não. Era mesmo pouco autoconhecimento, baixa autoestima e tudo mais que remete a não amar minha própria companhia. Com o passar dos anos, sessões de terapia, vontade de mudar e muita coragem pude identificar isso, tratar e evoluir um tanto.

Minha primeira vez no mundo das viajantes solo foi em 2010 com 21 anos. Primeira vez na vida que eu tirava “férias do emprego”. Emprestei os cheques do meu pai e parcelei tudo em 13x. Um mês na Argentina estudando espanhol, hospedada na enorme casa de uma família porteña ranzinza em que estavam mais uns 16 brasileiros.

Era julho, muito frio e eu estava em Buenos Aires. Saio do metrô, mãos no bolso e caminho pela larga avenida 9 de Julio. No meio do caminho paro numa banquinha, leio as manchetes e aproveito para exercitar o espanhol com o atendente. Pergunto para ele qual das 10 opções de alfajor era a melhor. Compro 5 deles para eu mesma decidir. Sigo caminhando até o local da aula, parando para olhar qualquer coisa que ative minha curiosidade. Ventinho na cara, ninguém para me apressar, pessoas de todos os estilos passando por mim. Aquele momento mágico em que você se sente a protagonista de um filme e deseja que a vida tivesse uma trilha sonora audível.

Claro que eu quis sentir isso de novo. E lá fui eu criar oportunidades para mais experiências como essa. O que aprendi nestes anos de viajera, sintetizo em 8 pontos as perguntas que mais me fazem. Meu desejo é acabar com aquelas dúvidas que o medo cria em nossas cabeças e inspirar mais pessoas a arrumarem suas malas e colocarem o pé na estrada. Vamos lá?

1. Você não tem medo?

Tenho medo para caralho. RISOS. Mas vai com medo mesmo! Uma vez li que não existe “coragem”, existem momentos de coragem. Aproveito estes momentos para comprar os bilhetes e aí não tem volta.

Cancelar passagem aérea custa caro e dá dor de cabeça, prefiro o frio na barriga de fazer uma viagem sozinha :)

2. Não é muito solitário?

Só se você quiser.

Você vai encontrar mais gente fazendo o mesmo e que estará com muita vontade de conhecer outras pessoas. Se você estiver aberta para isso, vai ser fácil achar alguém para conversar, compartilhar a mesa, dar um rolê pelos arredores ou qualquer outra coisa que você queira ter uma companhia para fazer. E isso não é válido só para quem vai ficar em hostel. É para qualquer “cenário”. Quando você está sozinho, por mais que seja um introvertido, naturalmente começa a puxar assunto com estranhos — isso pode levar uns dias, mas esteja certo que essa vontade brota no coração dos mais tímidos dos seres.

Se o destino for bem explorado turisticamente, você vai encontrar muitos casais mais vividos viajando (do tipo que está casado há mais de 30 anos). Eles adoram ver uma moça sozinha viajando e perguntar sua motivação para isso. A mulher do casal faz questão de mostrar o quanto está impressionada com minha coragem e o quanto gostaria de ter feito o mesmo, “mas agora já tá tarde, né?”. E sempre reforçam: “não deixe nunca de viajar por falta de companhia, menina. Você tá muito certa”. Devemos escutar os mais velhos.

Outra possibilidade é que terão outras mulheres viajando sozinhas ou em grupo. Sempre que vou para balada sozinha, não fico sozinha. Sempre aparece uma dupla ou trio de meninas que me perguntam: “você tá sozinha? vem dançar na nossa roda”. E nas viagens é a mesma coisa. Sempre terão as manas inclusivas ❤

Realização maior da minha vida é fazer amigos “locais”. Eles ficam felizes de ajudar a alguém a explorar a cidade em que eles vivem todos os dias. Se você ficar em alguma hospedagem alternativa (tipo airbnb e couchsurfing) pergunte ao host quais dicas ele tem para um recém chegado. Muitos estão dispostos a fazer o papel de guia pelo simples prazer de compartilhar conhecimento com as pessoas. Eu, por exemplo, adoro apresentar Curitiba para quem ainda não a conhece (me chama se vier para cá!).

Se nada disso te interessa, lembre que um momento sozinha não precisa ser necessariamente solitário. Você pode transformar em “solitude”, aproveitando para viver um momento de mais interiorização e reflexão. Eu gosto muito de ir à praia sozinha, por exemplo. Medito no barulho do mar e o contato com o chão de areia me dá segurança.

3. Não custa mais caro?

Sim. Mas vamos lá … quem guarda dinheiro para viajar em 3 ou 4, guarda dinheiro para viajar sozinho.

Além disso, você pode buscar alternativas mais econômicas (free walking tours, couchsurfing, cama em quarto coletivo e afins) ou então conhecer pessoas no meio do caminho e dividir algumas despesas da viagem (compras de mercado, passeios e contratação de guias).

Quando fui para a Chapada Diamantina queria fazer a trilha da Cachoeira da Fumaça com um guia. Me custaria R$ 150 se eu fosse sozinha. Saí pelo centrinho do Vale do Capão (minúsculo) e perguntei em toda portinha se sabiam de alguém querendo dividir. Distribuí meu telefone para todo mundo que me dava uma esperança. Lá por 11 da noite recebi uma mensagem dizendo que tinham encontrado um casal que queria dividir o custo do guia.

Você tem a opção de guardar mais dinheiro ou então, de se esforçar um pouquinho e encontrar quem queira dividir. Gosto mais da última opção, uma boa oportunidade para conhecer gente diferente de você.

4. Mas você compra “pacote” ou organiza tudo por conta?

As duas coisas.

Geralmente, compro passagem e hospedagem por conta, pois gosto de escolher isso do meu jeito, com cuidado e pesquisa. Existem muitos pacotes econômicos em sites de compra coletiva. Agências de viagem tradicionais também oferecem boas opções para quem vai viajar sozinha, mas ainda assim quer estar em um grupo. Vai muito do perfil do viajante e da experiência que se quer viver.

Quando chego no destino me junto a alguma excursão para os principais passeios, pois barateia muito, como na questão do guia que contei no ponto anterior. Antes de ir já procuro quais são as agências de receptivo e faço contato para pegar orçamentos e roteiros. Assim já organizo melhor a agenda e as finança$. Não compro antecipadamente, pois é sempre mais caro.

O único caso em que fiz a compra antes de ir foi para Machu Picchu (os ingressos podem esgotar!). Mas procure a agência de receptivo e não uma agência do Brasil que revende o pacote, saca?

No Ceará fui para um passeio de um dia inteiro e esqueci de pegar dinheiro, só tinha levado meu cartão. Quem me salvou? Um amigo que fiz naquele dia e que mantenho contato até hoje. Ele pagou minha conta no restaurante de praia que estava com as maquininhas fora do ar. Deus cuida das crianças, dos bêbados e dos viajantes.

5. Como você passa protetor solar nas costas?

Juro que as pessoas me perguntam isso. Não é zoeira. Hahahaha

Me olho no espelho para passar, assim garanto que todos os lugares foram cobertos. Acordo uns 10 minutos mais cedo para fazer isso bem feito.

Uma vez pedi para a dona da pousada me ajudar. Outra vez pedi ajuda para uma menina que fiz amizade. E aí depende da sua cara de pau, né? Neste caso não sou muito corajosa. Faço yoga para alcançar tudo e não ter que pedir ajuda, hehehe.

6. E se você fica doente ou tem alguma emergência médica?

Se isso acontecer vai dar tudo certo, pois minha recomendação é que você sempre invista um dinheirinho no seguro viagem. Muitos cartões de crédito já têm essa opção. Dá uma investigada que às vezes não precisa nem gastar muito. Só não deixe de contratar.

Se sua viagem é nacional e seu plano de saúde não tem cobertura em todo o país, contrate também um seguro viagem. Assim você não corre o risco de ter que enfrentar filas em hospitais gratuitos. Nunca precisei acionar o seguro, mas sempre compro e envio a apólice por e-mail para alguém da minha família.

Em Jericoacoara eu me empolguei na comida com óleo de dendê e tive a pior diarreia da vida. Com quase nada de hidratação no corpo, decidi que precisava resolver isso e fui sozinha até à farmácia e ao mercadinho. Péssima decisão. Tudo ficou escuro e comecei a procurar um lugar adequado para cair.

Lá estava eu, de vestidinho, com dinheiro e documentos na mão procurando um lugar para desmaiar. Parei na porta do mercadinho e falei: “moço, eu vou desmaiar”. Ele ficou apavorado, pois não queria que eu desmaiasse na frente do comércio dele. Ficava feio (não posso tirar a razão dele). Chamaram um bugueiro que me levou na UPA de Jeri. Lá tomei soro, recebi receita para medicamentos e carona na volta para casa. Em menos de 24h estava pronta para outra ousadia gastronômica. Viu, só? Deu tudo certo. E hoje eu conto essa história dando risada. JULIANA ESTAVA DESMAIADA.

7. E os namoradinho?

Eu tenho muitas histórias divertidas de crushs em viagens e recomendo. O mais legal é que começa já com uma data para terminar e isso elimina a dona ansiedade e a senhora expectativa. Bem na real, toda relação deveria ser assim, leve e sem drama, né?

Se o destino decidir, você pode ser uma daquelas sortudas das histórias de relacionamentos felizes que duram muito além do período da viagem. MAS POR FAVOR, ELIMINA ESSA EXPECTATIVA DA CABEÇA, garota. Vai ser bem mais legal se você curtir do mesmo jeito que curte a paisagem da janelinha do avião: uma hora ele vai pousar e você vai precisar descer.

O mesmo cuidado que eu tenho quando me relaciono com “estranhos” na minha cidade, tenho quando me relaciono com pessoas que conheço durante a viagem. Seja alguém que você conheceu num app ou na recepção do hostel, não se coloque em risco saindo sozinha com o novo crush ou indo para lugares que você sequer fez uma breve pesquisa sobre.

Mande mensagem para uma amiga próxima falando o que está fazendo, com quem e onde está. Mande prints de foto do sujeitx só para garantir. Precaução não vai te custar nada!

Não vou ficar colocando aqui meu currículo amoroso de viajante, mas chama inbox que eu conto.

8. Que dicas você me dá para vencer o medo de viajar sozinha?

a) Só vai! Lembrando da pergunta 1, o medo sempre estará presente. Mas vença-o tomando pequenas decisões quanto a sua viagem, pouco a pouco. Primeiro a passagem, depois o hotel e então a programação. Pesquisar e planejar sobre o destino é muito animador e traz aquela sensação de “nossa, preciso ir”.

b) Se para você é difícil pensar em fazer qualquer coisa sozinha, comece fazendo coisas desacompanhada em sua cidade mesmo. Almoce sozinha. Vá a uma biblioteca. Saia para dançar. Encontre lugares para testar-se sozinha. Escolha locais em que você já se sente confortável por estar acostumada a ir.

c) Busque autoconhecimento. Aprecie sua própria companhia. Isso vai fazer você se amar mais e mais.

A experiência de viajar sozinha é maravilhosa e eu recomendo a qualquer um, mas aqui neste texto principalmente às mulheres. É se sentir livre e dona do mundo. É ser quem você bem quiser! Deveríamos sentir isso todos os dias, mas sabemos que não é bem assim na sociedade machista em que estamos inseridas.

Viver pequenos momentos de ausência de medo e liberdade nos treinam para não permitir algo menor que isso. Após uma viagem e “de volta à realidade” percebemos quando estamos recebendo menos do que merecemos e passamos a lutar com mais força e segurança pelo que é nosso.

O maior risco de tudo isso é um aprendizado enorme em termos de autoconhecimento e a vontade de querer viajar sozinha sempre. Que tal?

Ah! Leve sempre um casaquinho na bolsa.

Na Serra da Capivara (PI) quando me senti um cisquinho no universo. 2016.

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Juliana Ferrer
Revista Passaporte

Vida real, ficção ou qualquer outra coisa que me permita exercitar a escrita.