A feira

O que era mesmo que precisava comprar?

Regiane Folter
Revista Passaporte
Published in
4 min readSep 10, 2022

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Photo by Tadeu Jnr on Unsplash

Caminho pelos postos de comida, flores, verduras, roupas usadas. É uma feira ao ar livre, mas não sinto frio, embora seja julho. O excesso de pessoas, ruídos e vozes me aquece. Caminho sem pressa e sem rumo. A rua é extensa e sei que a feira a percorre inteirinha, embora nunca tenha ido até o final. Sempre me cansei antes. Talvez hoje seja o dia? De continuar seguindo em frente, assim tranquila, assim serelepe, e ver como termina a bagunça da feira?

Acho que sim. Até porque, estou aqui com uma missão: sei que preciso de algo, mas não lembro o que, então examino atentamente cada item de cada barraquinha, tentando recordar. Sabe aquela sensação de que algo está na ponta da língua? No fundo do cérebro sinto essa necessidade latente, vislumbro esse algo que sabia que encontraria ali, mas não consigo lembrar exatamente do que era. Por mais que pense, não posso tirar o objetivo da neblina. Então dou de ombros e sigo caminhando. Se for importante, já vou me lembrar.

Há todo tipo de vendedor/a e de coisa sendo vendida. Estão os típicos postos hortifruti, com frutas e legumes vistosos que enchem os olhos; estão os vendedores de queijos, carnes, embutidos. Tem até gente vendendo materiais de limpeza, comida pra pet, coisas pra casa. E, claro, muitos postinhos de flores que deixam a feira toda colorida e perfumada.

Há também barracas mais curiosas naquela feira que parece eterna. Em uma delas um senhor barbudo e com cara de simpático vende moedas velhas, de colecionador. Em outra, uma mulher toda mística vende poções que curam dores de todo tipo, inclusive a dos corações partidos. Numa outra parte encontro livros usados, pilhas e mais pilhas de obras empoeiradas, desde grandes clássicos até fanzines feitas à mão.

Vejo de um tudo e ainda assim não consigo encontrar o que estava buscando. Tenho vontade de comprar várias coisas, mas sei que carregada de bolsas não conseguirei caminhar por muito mais tempo. Já perdi a conta dos quarteirões que percorri e sei que nunca estive nessa parte da cidade. Enquanto andava, a rua foi se tornando mais rústica e alguns buracos no chão quase me fazem perder o equilíbrio; as casas ao redor da feira aparentam ser cada vez mais antigas e os edifícios ficaram lá atrás, no começo do trajeto. Fora isso, tudo continua igual. A algazarra preenche meus ouvidos e olhos, e o calorzinho gostoso continua firme e forte. E eu continuo andando.

Atenta aos postos ao meu redor, não percebo outra coisa que muda no cenário: a quantidade de pessoas fazendo suas compras também vai diminuindo. Somos poucos os valentes que se aventuram até o final da feira.

Observo atentamente um postinho que vende coisas pra celular e, quando olho pro lado, ué? Onde está o próximo posto? Não vejo outra barraca, nem mais pessoas, nem mais coisas… A feira termina assim, de repente, sem aviso prévio. Olho para os lados, sem acreditar que de repente acabou-se o que era doce. Olho para trás e vejo o caminho que percorri, a feira que continua viva e em movimento atrás de mim. Olho o relógio e calculo os minutos que passei nessa caminhada preguiçosa. E então olho pra frente, pra além da feira, e vejo o mar.

Não sabia que a feira terminava bem de frente pro calçadão, tão pertinho daquela imensidão azul que, num dia de sol como hoje, parece ainda mais brilhante e bonito. Sorrio, satisfeita. Aquele realmente era o prêmio no final do arco-íris. Cruzo a avenida e me sento em um dos bancos que fica de frente pro mar. Olho, olho, olho tudo. Assim como quis radiografar com a mirada cada objeto da feira caótica, agora quero absorver tudo que puder daquela paisagem tão mais pacífica. As pernas doem, o corpo se queixa de toda a movimentação pra chegar até ali, mas o coração está feliz da vida.

Então, de repente, percebo que era isso o que estava buscando. Não o mar, nem a feira, nem o caminho que me conectou da segunda pro primeiro; não, o que procurava era essa sensação de puro contentamento. Plenitude somente por estar ali e por ser quem sou.

Quem diria que isso seria grátis?

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Regiane Folter
Revista Passaporte

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