A GRANDE CIDADE

Arthur Nunes
Revista Passaporte
Published in
3 min readNov 28, 2018

E suas prisões imaginárias.

Photo by SHUJA ZED on Unsplash

Certa vez conheci uma inusitada comunidade onde as crianças cresciam em um pequeno vilarejo cheio de jardins floridos, parques e praças. Ali não existia tristeza, dor ou angustia. Porém, ao completar 14 anos os jovens eram levados para a grande cidade como sacrifício vivo. Eram obrigados a ficar por 50 anos até conquistar o direito de voltar. Tudo isso para manter o perfeito equilíbrio do sistema vigente. Ninguém sabia o que acontecia por lá. Havia lendas que a cidade é repleta de ruas escuras onde vagam monstros sem almas.

Lucas era um jovem garoto que estava prestes a completar a idade da oferenda. Ouvira falar que grandes sentinelas guardavam os portões da cidade para que ninguém ousasse sair de lá antes de cumprir sua jornada. O sistema não podia falhar.

Quando chegou o grande dia, Lucas preparou sua mochila, penteou seu cabelo, e com os olhos desolados partiu. Manteve-se firme, não podia chorar, afinal ele era um homem adulto agora e deveria arcar com suas responsabilidades.

Chegando à grande cidade o jovem garoto avistou as sentinelas e logo pensou, “é verdade, as lendas são reais”. Porém, não se abateu, sabia que não podia mais lamentar. A vida era assim e ele tinha que se acostumar. Prometeu para si mesmo que um dia iria fugir e voltar ao vilarejo onde cresceu. O que nunca aconteceu.

Com o tempo conseguiu um emprego, fez amigos e alugou um apartamento no 15º andar de um prédio no centro da cidade. Sua sacada tinha uma linda vista para o vilarejo onde cresceu. Todo o dia ao chegar do trabalho, Lucas sentava na sacada e observava ao longe os lindos campos floridos sonhando com o dia que reencontraria os parques onde cresceu. Foi assim por 50 anos. Até que finalmente conquistou o direito de, enfim, sair da cidade.

Olhando pela ultima vez da sacada, fez suas malas e partiu em direção ao tão sonhado retorno. Ao chegar aos portões avistou novamente as sentinelas. Ele já não era um jovem de 14 anos assustado, então olhou atentamente para os olhos daquelas criaturas e para sua surpresa não se mexiam, não envelheceram, estavam imóveis. Exatamente no mesmo local de quando ele entrou pela primeira vez na cidade. Ao chegar mais perto percebeu a verdadeira forma dos gigantes, eram de pedra, grandes estatuas que não criavam nenhuma resistência aos desertores do sistema. Ninguém protegia os portões, era tudo um grande truque.

Lucas não conseguia acreditar, estava imóvel, mas não por conta da inexistência das sentinelas, mas por que ele realmente não conseguia sair. Já fazia parte da cidade e a cidade dele. As lendas eram reais. Lucas virou o monstro das histórias de terror que ouvia quando criança. Então virou-se e voltou para casa. Passou o resto dos seus dias olhando para os jardins floridos do vilarejo, sonhando com os parques onde cresceu.

Originally published at thurnunes.tumblr.com.

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