A leitura só é completa para quem vive
Enquanto estive na Bolívia visitei algumas cidades diminutas e humildes. A igreja na frente da pracinha, ruas de terra e cachorros e galinhas correndo soltos com as crianças. Me fez entender de forma mais profunda a busca de sentido para a vida no mundo antigo e as religiões.
Kierkegaard, dinamarquês pai do existencialismo, propunha três instâncias em que se pode buscar sentido para a vida. São chamadas de ética, estética e religiosa.
No campo estético está a busca por prazeres. Comer, se embebedar, transar… o bom da vida seria o gozo, não haveria nada além disso, Mas os prazeres não são o bastante para nos fazer realizados para sempre.
Então pode vir a busca ética, que acontece no campo social. Trabalhar para fazer o que é justo, que a sociedade continue funcionando e cresça. Para o filósofo, esta via não era o bastante para trazer plenitude. Para entender esta visão é preciso se afastar da vida contemporânea.
Eu já havia estudado o existencialismo kiekegaardiano antes da viagem, mas só me afastando da modernidade, em cidadezinhas pouco desenvolvidas e cheia de antigos monumentos religiosos, fui realmente entender o que tinha lido.
Kierkegaard viveu no século XIX. Para se ter uma ideia, São Paulo, a maior cidade do quinto país mais populoso do mundo, terminou esse século com 240 mil habitantes. Ou seja, naquela época, a maioria das pessoas vivia em vilarejos e cidades pequenas.
Além disto, as comunicações e transporte eram muito limitadas, principalmente se comparados com o nível atual. A Bolívia veio a receber um sistema amplo e moderno de transportes a partir do séculos XX.
Sendo assim, não fazia muito sentido apostar sua existência na ética. Você provavelmente passaria sua vida em uma cidade pequena e que não veria muito crescimento, não viajaria nem conheceria muitos estrangeiros. Vale lembrar, as ofertas de prazeres também eram limitadas, não existiam Netflix, baladas ou praças de alimentação com comidas de todo o mundo temperadas ao gosto do cliente.
Assim, as respostas não podiam estar aqui, na terra. O sentido para a vida estaria no além, na religião que te guia ao plano superior. Kiekegaard acreditava nisso. E assim a religião se tornou central no cotidiano e no mundo. Hoje é possível buscar sentido em outros lugares, talvez seja este o motivo da obsessão capitalista com o crescimento, a busca ética de sentido.
São lições que só podem ser verdadeiramente aprendidas com a vivência, e foram uma das partes mais marcantes do meu passeio por lá.