A minha história de amor com uma ilha bem verdinha

Sandy Quintans
Revista Passaporte
Published in
7 min readJun 6, 2019
Um registro do Vini, de mais uma de nossas aventuras, de um dia de muita felicidade.

Olá, você tem um tempinho pra ouvir a palavra da Irlanda? Eu tenho essa memória de até bem pouco tempo atrás estar vivendo coisas maravilhosas numa ilha de paisagens verdes só esperando pra contar pra todo mundo sobre como eu me apaixonei por esse lugar. Daí quando eu voltei pro Brasil, eu encontrei um tempo em que comentar sobre a vida que você teve no exterior parece piada de mau gosto. E eu concordo. As pessoas estão preocupadas pensando em como fazer o que em inglês a gente diz make ends meet, que nada mais é do fazer a conta fechar no final do mês. Estão frustradas pela visão de prosperidade que um dia a gente pode sonhar e agora não consegue mais.

Me deu um medo de falar sobre tudo o que aconteceu. Eu não queria me tornar aquela pessoa insensível à situação das pessoas, incluindo a minha própria, mesmo que estivesse sendo insensível comigo mesma. Desde então eu tenho tentado fingir que não amei aquela ilha, a medir minhas palavras e não dizer nada em inglês que em outros tempos seria natural pra mim pra não parecer a Luciana Gimenez. Só que com o tempo eu percebi que não dá muito pra esconder experiências que nos marcaram da forma que meus dois anos lá fizeram. Assim eu resolvi que ia escrever esse texto pra declarar um amor que já não vivo mais, pra você que um dia se interessar em ouvir sobre essa história.

Howth, um dos meus lugares preferidos no universo.

28 de janeiro de 2017 foi o dia em pisei na Irlanda pela primeira vez. A gente tinha perdido nossa conexão em Londres e chegávamos algumas horas atrasados pra esse encontro. O céu azul, o sol radiante, bem diferente da maioria dos dias cinza que a gente tem por lá. Só que a temperatura não me deixava enganar, aquele era o lugar certo, já que a sensação era de entrar numa geladeira.

Fazia 3 °C e eu tava aterrorizada pensando na imigração, com medo deles me dizerem ‘que eu não podia morar ali não, aonde eu tava com a cabeça quando tinha decidido ir, num é?’ Foi por isso, que me veio uma surpresa enorme quando caminhei pela Henry Street pela primeira vez, a mesma que passaria um milhão de vezes no meu tempo ali, achando uma das ruas mais bonitas que já tinha colocado meus pés. Naquele momento, ali, eu sabia que tinha encontrado um lugar no mundo pra ser eu. Eu senti o gosto de realizar um sonho que nunca achei que fosse possível.

Eu nunca me cansei de me maravilhar com as belezas desse lugar.

Os primeiros seis meses na Irlanda, meu e do Vini, foram como lua de mel — só que com uma comida ruim. A gente se maravilhava com cada rua que entrávamos pela primeira vez, com cada perrengue, com cada conversa com gringo, com cada descoberta. Tudo e qualquer coisa que nos acontecia validavam os nossos sacrifícios pra estar ali, afinal era muito melhor do que a gente imaginava que seria. Inclusive, os medos faziam parte de uma experiência de maravilhamento. Eu acho que nós dois nunca imaginávamos que algo seria tão a gente como essa viagem.

Os próximos meses, que já não eram mais de tantas descobertas, foi quando o coração começou a doer. Até então eu não havia sofrido nem por um dia por ter deixado uma vida pra trás, porque na minha cabeça sempre teria a possibilidade de voltar. Mas isso já não era mais uma possibilidade desde o momento em que entrei no avião da British Airways, depois de me despedir da minha família no aeroporto de Guarulhos. A Sandy e o Vini antes da Irlanda não mais existiam, porque a partir dali só seríamos a Sandy e o Vini depois da Irlanda.

Eu digo que foram os meus meses de luto. Eu sentia falta do Brasil, não aguentava mais comer comida ruim, o verão estava acabando e eu começava a perceber que minha vida nunca mais seria a mesma. Minha imunidade caiu e eu meio que emendava uma doença atrás da outra — num ciclo, de gripe, resfriado, sinusite, infecção de pulmão, resfriado de novo, sinusite. Quando janeiro chegou outra vez, eu já não tinha mais tanta certeza se eu amava mesmo a Irlanda e cogitei voltar pro Brasil no próximo vencimento de visto.

De um dos dias mais inspiradores que já vivi

Foi bem no início do nosso segundo ano lá que encontrei o equílibrio entre os dias de lua de mel e os dias ruins. Eu aprendi a ouvir o meu corpo, a não abaixar a cabeça e procurar felicidade naquela experiência que eu tinha sonhado tanto. Foi nessa hora que a decidimos que merecíamos ficar mais, depois de tantos sacrifícios, pra terminar essa jornada em uma página de felicidade. A gente tava se cuidando muito mais, eu já tinha entendido meios de driblar as coisas ruins e tava de peito aberto pra aproveitar o meu último ano longe de casa. Sim, eu sempre soube que iria voltar, porque dentro de mim era assim que tinha que ser (e foi assim que foi).

Eu amava poder aproveitar os dias frios, mesmo que em alguns momentos poderiam parecer eternos. Aprendi a gostar ainda mais dos dias de verão, de muita luz, de muita gente feliz, em meio as praias irlandesas. Aliás, esse foi o melhor verão das nossas vidas. Não tinha nada mais demais do que poder observar as mudanças das estações, como se a vida tivesse script. Nós já não descobríamos tanto, embora sempre houvesse algo novo a se revelar.

Meu primeiro dia em uma praia que faz frio, que depois descobri ser o meu tipo preferido de praia

Foram nesses tempos que Fleet Foxes, uma banda que amava há anos, se fez de trilha sonora. Era como se tudo que tivesse consumido, escutado, assistido, tivesse feito sentido nessa hora. Essas eram as coisas que eu gostava, mas que não podia acessar, até aquele momento.

Se eu pudesse colocar em apenas uma frase o que foi esse ano, eu diria que foi aprender a fazer cada minuto valer. E nós fizemos, porque foi o melhor tempo que tivemos lá na Irlanda. Quando chegou a hora de ir embora, nós resolvemos fazer uma viagem por alguns países da Europa — que é conversa pra outra texto—pra voltar pra Irlanda e se despedir. Só que a gente não conseguiu.

Depois de ter vivido tanta coisa incrível nessa viagem, dar adeus a um lugar que a gente ama tanto ficou impossível e pesado demais. Basicamente, todo o tempo e passeios que havíamos programado foram sendo adiados, até que eles nunca existiram. Por duas semanas nós nos dividiamos entre fazer as malas, pensar e processar o que tinha sido aqueles dois anos, com a certeza de que nunca mais esqueceríamos aquela terrinha céltica.

Vivendo experiências no meu parque preferido da Irlanda

Eu nunca vou poder expressar o suficiente o que foi essa experiência, por mais que passe muito tempo escrevendo sobre. Mas eu quero que saiba essa foi a coisa mais legal que já fiz na minha vida e que fez com que todo o marasmo da fazenda que minha vida tinha sido até então valer a pena. E essas são partes de mim que vão existir aonde quer que eu vá.

Todo mundo conta pra gente o quanto um intercâmbio pode nos transformar, dizendo que é a melhor decisão que podemos tomar por nós mesmos. Mas eu acho que a gente nunca vai ter a dimensão do quanto isso nos transforma. Até porque cada um sofre uma metamorfose completamente diferente e é difícil prever qual vai ser o resultado da sua. Eu pude conhecer uma Sandy que existia dentro de mim o tempo todo e só não podia sair pra fora da toca, por medo de não poder fazer as coisas de um jeito que existe, mas que não é comum.

Estar em um país que valoriza a cultura —as coisas que mais gosto no mundo — , onde se respira história a cada esquina e que a alguns passos é possível ter contato com uma natureza tão maravilhosa me mostrou que dá pra viver melhor. Eu encontrei um alguém em mim que valoriza demais o tempo e aproveita as oportunidades pra aproveitar cada momento dessa vida. Estudei, trabalhei, viajei, explorei, li, dormi muito, fiz nada, fiz tudo, fui muito feliz e também muito infeliz. Mas eu dei significado pro meu existir, embora muita gente já tenha me dito que eu continuo a mesma, que eu não mudei nada.

Eu mudei sim, me transformei.

tá vendo esse lugar mágico? ele é trezentas vezes mais mágico quando a gente vê de perto

Todas as imagens desse post são de autoria de Vinícius Novaes, meu namorado e companheiro de intercâmbio. Se você quiser ver mais fotos incríveis como essas sobre a nossa jornada, é só clicar aqui ó.

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Sandy Quintans
Revista Passaporte

Jornalista, que viveu em Dublin por dois anos e que encontrou na internet um espaço pra ser ela mesma. Reside no planeta terra since 1990.