A verdadeira história do lençol mortuário

Afinal o que é obrigatório e o que é invenção dos guardas para ganhar uma propina?

Milena Issler @hein.gata
Revista Passaporte
7 min readFeb 16, 2018

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Com certeza você já deve ter lido em vários sites e relatos de viajantes pela internet sobre a polícia rodoviária argentina que, ao parar veículos brasileiros, pede como exigência obrigatória para transitar um lençol mortuário. Ele serve para cobrir corpos em caso de acidentes com vítimas fatais. E não é só aqui no Brasil que a história bizarra virou lenda, entre os argentinos ela também é famosa.

Pesquisando na internet sobre o tema, encontrei vários sites argentinos, inclusive uma matéria do El Clarín e no La Nación, discutindo amplamente sobre o tema e esclarecendo as dúvidas.

Descobri o seguinte: na lei de transito argentina não existe menção alguma sobre o lençol mortuário. Porém, me parece que, na província de Santa Cruz e Entre Ríos, já existiu alguma lei antiga com essa exigência. Provavelmente foi daí que surgiu essa história.

Tive certeza quando encontrei no site do governo de Santa Cruz uma informação que diz claramente o seguinte:

  • No es obligatoria la portación de una sábana blanca o bolsa mortuoria así como tampoco el botiquín de primeros auxilios. — Não é obrigatória o porte de lençol mortuário ou bolsa mortuária assim como o kit de primeiros socorros.
    Link do site aqui.
Elas existem, são úteis no caso de um acidente com vítimas fatais, mas não é um item obrigatório.

Consultei também o CESVI — Centro de Experimentación y Seguridad Vial, que também reforça a inexistência do lençol mortuário e ainda esclarece: os únicos ítens de segurança obrigatórios por lei são os dois triângulos e extintor. O kit primeiros socorros e o colete reflexivo não são obrigatórios, mas sim recomendados por questões de segurança. De qualquer maneira, na ausência desses ítens o motorista não pode ser multado. Veja aqui a página do CESVI com essas informações.

Dois triângulo, extintor de incêndio, kit primeiros socorros e coleto reflexivos são ítens de segurança válidos que realmente podem salvar vidas. Tenha sempre no seu carro.

Outro item que vários sites de viajantes cansam de repetir e dizer que é obrigatório, porém não é, é o cabo de aço ou cambão. Não existe essa exigência na lei argentina. Aliás, se for o caso do carro ser rebocado, a lei diz que deve ser feito por um veículo próprio para reboque.

O mesmo para os adesivos de velocidade e faixas reflexivas para camionetes ou pick-ups. Também não são obrigatórios. Empresas argentinas, eventualmente, tem essa exigência de veículos devido a regulamentos internos, porém não consta na lei de transito. De acordo com o artigo 53, esses dois itens são obrigatórios somente para veículos de serviço de transporte de passageiros e carga. Veículos que oferecem serviço de transporte ou passageiros podem ser: veículo escolar, vans, ônibus, micro-ônibus, caminhonetes/pick-ups e caminhões que carregam carga — ou seja, de empresas que prestam serviços. Não se refere aos carros de passeio.

Acabo de rodar 7 mil quilômetros entre Argentina e Chile. Na fronteira em Foz do Iguaçu vi uma pick-up com placa argentina e perguntei ao motorista se era obrigatório, ele disse que sim. Procurei comprar os tais adesivos mas não encontrei fácil. Desisti. Passei por dezenas de postos e controles rodoviários, não fui parada nenhuma vez. Tampouco ví outras caminhonetes com o tal adesivo, com exceção de alguns que realmente pareciam ser de empresas. Perguntei ao meu amigo do Land Clube de Mendoza se ele tinha na Defender dele, ele disse que não. E para todas minhas dúvidas a recomendação dele foi ótima: imprima a regulamentação, se te pararem leia na frente do policial.

As normas e regras de trânsito estão na lei 24.449, os requisitos para circulação estão estipulados no artigo 40. Copiei o texto original em espanhol no final dessa matéria.

Esta matéria do jornal La Capital de Mar del Plata confirma todas estas informações e esclarece as dúvidas. Clique aqui.

Nesta matéria do jornal La Nación, também reforça quais são os documentos obrigatórios e equipamentos de segurança, de novo somente o extintor e os dois triângulos estão citados.

O que acontece frequentemente é que poucos checam a origem das informações, muitos sites de viajantes apenas copiam e colam listas de ítens de outros viajantes ao invés de checar. Muitos desses viajantes tem informações atualizadas pois acabaram de voltar da viagem ou ainda estão viajando, porém passaram pelas autoridades rodoviárias sem problema nenhum. Além do que, uma vez que eles já estão carregando todos aqueles equipamentos no carro, ou também não lhes foi requisitado, eles nunca chegaram a questionar ou buscar saber da real necessidade dos itens.

Eu mesma já fiz isso várias vezes durante minhas viagens, sempre achei que o cabo de aço/cabão era obrigatórios. Recentemente viajando não fui parada nenhuma vez no Chile nem na Argentina, não tive a oportunidade de ser questionada ou mesmo questionar. Eu levei um cabo de aço e perdi um tempo procurando pelos adesivos de velocidade que achei que eram obrigatórios. Não são.

Lendo as matérias argentinas percebi que o mesmo acontece por lá. Não apenas por parte dos comerciantes, mas principalmente por parte da polícia rodoviária, que aproveita para faturar uma propina, ainda mais fácil fazê-lo se o veículo for estrangeiro. Vestidos com uma farda eles são autoridade e intimidam a maioria dos motoristas que por sua vez são desinformados e hesitam, ou não tem coragem de questionar. Para resolver o problema preferem o mais caminho mais fácil que é pagar a propina para poderem seguir viagem. Conheço muitos que já fizeram isso.

O curioso é que você lê essas "obrigatoriedades" em diversos avisos espalhados por estabelecimentos nas cidades de fronteira. Se perguntar em hotéis, postos de combustíveis e lojas locais, cada um vai dizer uma coisa diferente. Isso só me faz concluir o seguinte, má fé e oportunismo dos comerciantes locais que se aproveitam na ignorância dos motoristas para vender artigos desnecessários e não obrigatórios. Significa o seguinte, você pode até não ter sido parado pelo guarda, mas já deixou a "propina" com o vendedor que te enganou do mesmo jeito.

E veja bem, de que adianta dizer que o guarda nunca te cobrou propina se seu carro tá parecendo uma árvore de Natal? Se ele quiser uma graninha mesmo, vai achar outro "defeito" pra te achacar e não vai acabar nunca…

Sabe como a polícia chilena é conhecida? Por nunca aceitar propina. Incorruptível. Já os brasileiros são os mais conhecidos na Argentina por pagarem propina. E você, acha que essa fama veio de onde?

A prática de pagar propina para policiais rodoviários somente incentiva para que isso aconteça cada vez mais. Aquele que paga propina é tão corrupto quanto o que cobra por ela. Por isso ter informação e fazer sempre o que é certo e dentro da lei é o nosso maior argumento. A melhor maneira de desarmar um policial corrupto é exigir informação sobre as regras, peça esclarecimentos detalhados como o número da lei e o artigo. Caso estejam cobrando algo exija um recibo de pagamento antes de pagar, peça para ir até a delegacia caso tenha alguma dúvida. Se puder ligue para polícia na frente do policial, se houver moradores locais por perto peça informações para eles. Atitudes como essas expões demais os policias que estão agindo de má fé e rapidamente eles te liberam.

Para quem tiver curiosidade sobre o lençol mortuário segue aqui uma relação das notícias que encontrei sobre a questão:

Segue aqui, na íntegra o Artigo 40 da Lei 24.449:

ARTICULO 40. — REQUISITOS PARA CIRCULAR. Para poder circular con automotor es

indispensable:

a) Que su conductor esté habilitado para conducir ese tipo de vehículo y que lleve consigo la licencia correspondiente;

b) Que porte la cédula, de identificación del mismo; (Expresión “vencida o no, o documento” vetada por art. 8° del Decreto N° 179/1995 B.O. 10/02/1995) Ley de Tránsito 24.449

c) Que lleve el comprobante de seguro, en vigencia, que refiere el artículo 68;

d) Que el vehículo, incluyendo acoplados y semirremolques tenga colocadas las placas de identificación de dominio, con las características y en los lugares que establece la reglamentación. Las mismas deben ser legibles de tipos normalizados y sin aditamentos;

e) Que, tratándose de un vehículo del servicio de transporte o maquinaria especial, cumpla las condiciones requeridas para cada tipo de vehículo y su conductor porte la documentación especial prevista sólo en la presente ley;

f) Que posea matafuego y balizas portátiles normalizados, excepto las motocicletas;

g) Que el número de ocupantes guarde relación con la capacidad para la que fue construido y no estorben al conductor. Los menores de 10 años deben viajar en el asiento trasero;

h) Que el vehículo y lo que transporta tenga las dimensiones, peso y potencia adecuados a la vía transitada y a las restricciones establecidas por la autoridad competente, para determinados sectores del camino;

i) Que posea los sistemas de seguridad originales en buen estado de funcionamiento, so riesgo de aplicación del artículo 72 inciso c) punto 1;

j) Que tratándose de una motocicleta, sus ocupantes lleven puestos cascos normalizados, y si la misma no tiene parabrisas, su conductor use anteojos;

k) Que sus ocupantes usen los correajes de seguridad en los vehículos que por reglamentación deben poseerlos.

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Milena Issler @hein.gata
Revista Passaporte

Há mais de 17 anos viajando de carro pela América do Sul, já soma mais de 90 mil km rodados por aí. Instrutora do Land Rover Experience. Criadora do HeinGata.