Antonio Carlos Boa Nova
Revista Passaporte
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2 min readJan 12, 2019

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Photo by Henrique Ferreira on Unsplash

De volta de uma viagem à Sibéria, minha mulher e eu tínhamos conexão de voo em Paris. Então, aproveitamos para passar quatro dias na cidade: seria cansativo virmos diretamente até São Paulo, e afinal a capital francesa tem seu charme. “Paris vale uma missa”, já ponderava o protestante Henrique IV quando se converteu ao catolicismo para assumir o trono da França.

Por praticidade, reservamos um hotel próximo de uma estação de metrô servida pela linha do aeroporto. Ficava na rue de La Fayette, não longe da Gare du Nord, movimentada estação ferroviária.

Com o sono ajustado ao fuso horário da Sibéria, acordamos cedíssimo e fomos os primeiros hóspedes a descer para o café da manhã. O dia ainda estava raiando.

O restaurante do hotel tinha uma porta que dava diretamente para a rua. Bem ali, abrigando-se no vão da entrada, dormiam duas pessoas sem-teto − tratava-se de um casal, como viemos a notar depois. Era preciso que eles não demorassem a sair daquela passagem, e a moça que servia o café foi à portaria e chamou o recepcionista.

Pelo lado de dentro, ele primeiro deu algumas batidas na porta de vidro a fim de despertá-los, mas sem sucesso: não se mexeram. Então, deu a volta e, na calçada, a uns dois metros de distância, falou ao casal. De onde estávamos, não deu para entendermos o que dizia, mas o tom era sereno.

Lentamente, o casal foi se levantando, se espreguiçando, ajeitando o cabelo e começando a arrumar os poucos pertences.

− Vocês tomam café? − perguntou o funcionário −. Ou um chocolate?

O homem preferiu café, e ela, chocolate. Nenhum dos dois quis o açúcar oferecido.

− Querem croissant?

Quiseram. E depois do breve desjejum, partiram para sua jornada.

Relação civilizada é isso aí.

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Antonio Carlos Boa Nova
Revista Passaporte

Sociólogo. Autor do livro “Fora da Ordem: do claustro ao mundo secular”.