As vantagens de fazer o que é desconfortável quando se está viajando

Dormir na “casa dos outros” é sempre uma experiência enriquecedora

Juliana Ferrer
Revista Passaporte
4 min readJun 25, 2018

--

Faz pouco tempo que voltei de uma curta viagem pelas festas de São João no Nordeste. Durou 7 dias, mas a sensação que tenho é de que viajei uns 15 dias.

Digo isso, parte porque soube aproveitar bem. E parte porque o Nordeste sempre me oferece muita riqueza cultural, gastronômica, de paisagens e principalmente de GENTE. Não sou uma pessoa extrovertida — tenho aquele jeitinho curitibano de ser, quieta, meio ressabiada, mas educada. Mas tudo bem, eu gosto mesmo é de ser uma boa ouvinte e colecionar o máximo de histórias possíveis.

Decidi me hospedar na casa de locais através do Airbnb, daquelas opções de “quarto inteiro” em que você compartilha a casa com o proprietário. Já fiz isso antes e tenho um pensamento sobre: é uma opção barata, mas não a mais confortável — é estranho ficar na “casa dos outros”. E exatamente por ser estranho, é isso mesmo que eu quis fazer.

Quando falo de conforto, não tô falando da qualidade do colchão. Falo de não estar confortável com algo e que ao enfrentar, você aumenta seus limites. Neste caso, o limite da zona de conforto. Um dia eu vou viajar o mundo e isso custa caro, não posso ter frescura com local de pouso, né não?

Voltando à “riqueza de gente” que encontrei nesta curta temporada, destaco as mulheres que me hospedaram em suas casas e engrandeceram minha experiência.

Em Recife fiquei na casa de uma guria que como eu trabalha com a experiência e serviço ao cliente. Compartilhamos do pensamento de que o que faz tudo valer a pena são as pessoas e o que podemos proporcionar a elas com nosso trabalho.

Ela se movimenta pela cidade de bike, tem dois gatos (Caetano e Gil) e super aprovou minha programação quando eu pedi para ela validar se estava no estilo “local-cultural” que eu estava buscando. Quando voltei ela perguntou como tinha sido “meu rolê”. Certeza que seríamos parceiras de rolê se vivêssemos na mesma cidade. Saiu pra trabalhar e me ofereceu o cuscuz com coco que deixou feito na cuscuzeira.

A mãe dela estava de passagem para alguns exames médicos e me garantiu que eu ia amar o São João de Caruaru — mesmo que eu não quisesse dançar forró. A consulta que ia fazer era de rotina, mas uns 10 anos atrás operou o coração e hoje segue sem sequelas e muita saúde.

Em Caruaru fiquei na casa de uma moça com uma filha pequena. Ela só recebe mulheres, afinal, em pleno século XXI isso ainda é uma preocupação de mulheres que moram sozinhas. Com criança pequena não dá para arriscar. O quarto não tinha porta. Era uma cortina que me dava privacidade. Fiquei tensa no começo, mas a mulher era naturalmente hospitaleira e me senti super à vontade.

Divorciada, ela cuida da filha com a renda que obtêm das hospedagens e também dos produtos de cabelo que vende na sua porta. Quando saí de lá, uma cliente estava em dúvida entre o produto para progressiva com ou sem formol.

Quando casou, parou de trabalhar. Depois de separar, com uma filha pra cuidar, foi difícil se adaptar ao mercado e procurou alternativas, o que chamamos de “se virar”. Pela recomendação de uma prima colocou o quarto no Airbnb e foi sucesso. O café da manhã nem estava incluído, mas ela fez questão de me servir um misto quente, café solúvel e uma coalhada. Tomamos café juntas e ouvi sobre os planos dela para o ano que vem e as dificuldades de ser mãe (quase) solo.

Em Campina Grande fiquei na casa de uma guria em seus 20 e poucos que está terminando a faculdade de sociologia. Me contou que faz parte de um coletivo de compositoras e artistas da cidade e acabou de lançar seu trabalho no Spotify. De olhos brilhantes, disse que está sempre com seu violão embaixo do braço, fazendo música que é o que ela tem de melhor para oferecer. Compartilhei com ela minha paixão por escrever e falamos por um tempo sobre viver e deixar essas paixões artísticas para depois e usar o tempo investindo numa carreira “normal”. As conclusões a que chegamos não preciso nem comentar, risos. Inspirador.

Devido à onda de seringadas no São João de lá, ela me passou algumas recomendações que apareceram no grupo “Vamos Juntas” da cidade. Antes de dormir, batemos um papo sobre Handmaid’s Tale (que eu estava lendo e ela assistindo). As paredes da casa eram repletas de quadros com diversos estilos de arte, poesias escritas em canetinha e frases-lembrete como “não julgar”.

Ela mora com sua mãe, uma professora universitária que me parabenizou por estar viajando sozinha e fazendo o que quero fazer. Ela me levou até à porta na hora de ir embora e deu pra sentir no abraço de despedida que era mais uma mãe forte que eu encontrava naquela jornada (desculpem o pleonasmo em “mãe forte).

E estas são só algumas desta curta viagem. São tantas outras. E não precisa de sorte para encontra-las.

Como dizem por lá, recomendo “com força” esse tipo de hospedagem e principalmente manter os ouvidos sempre abertos para a história das pessoas. Se elas deixaram suas portas abertas é porque ficam felizes em compartilhar seu espaço, histórias e até o cuscuz. Fazer o que é estranho tem suas vantagens.

--

--

Juliana Ferrer
Revista Passaporte

Vida real, ficção ou qualquer outra coisa que me permita exercitar a escrita.